domingo, março 19, 2006

A Lei da Paridade

A minha gata deu umas voltas pela vizinhança e agora vai parir. Mas juro-vos que não é sobre a minha preocupação com o que fazer aos gatos e gatas que aí vêm do que vos vou falar.
Mas, se quiserem um gatinho ou gatinha, descendente de uma gata que a minha mulher comprou como sendo siamesa, mas que tem escrito na cara que não é, é só pedirem.


Tenho acompanhado com alguma perplexidade o debate à volta da intenção do Governo em aprovar um diploma para impor a todos os partidos a representação mínima de 33,3 por cento de cada género, homens e mulheres, nas listas para as eleições legislativas, autárquicas e europeias. Vejamos as tiradas da esquerda e da direita: o deputado social-democrata Montalvão Machado diz que “a participação na política deve depender apenas da vontade de cada pessoa” e “que a intervenção das mulheres na vida pública não deve ser imposta por decreto.”
“Esta flor com espinhos da paridade serve apenas para mascarar os verdadeiros objectivos do PS de distorcer a representação proporcional”, acusou a deputada comunista Odete Santos. O presidente do CDS-PP, José Ribeiro e Castro diz que é “o caminho errado para atingir um objectivo correcto, (…) considerando que pode ser entendida por muitas mulheres como “um mecanismo de desqualificação”.
Apenas o Bloco de Esquerda, construtivamente, diz que o critério deverá também ser aplicado à ordenação das listas, assegurando-se que as mulheres possam ser efectivamente eleitas. E defende o ajuste do sistema eleitoral proporcional e os círculos plurinominais. Mas a verdade é que mesmo que formalmente elas já tenham os mesmos direitos e possibilidades, esses direitos e essas possibilidades na prática não são os mesmos. Isto porque há uma cultura, uma educação, hábitos ancestrais e uma forma de organização familiar e social que têm impedido as mulheres de terem acesso, em igualdade material de circunstâncias, à titularidade de cargos políticos. E porque não se deve estender o princípio à totalidade de cargos públicos? E às empresas públicas? E por aí adiante. Para mim esta questão não se resolve numa geração. Tem solução a prazo e, acompanhando uma profunda mudança de mentalidades e de condições materiais de vida.
As mentalidades terão de aceitar tarefas repartidas na esfera doméstica e na esfera profissional. As materiais terão de criar condições para que à mudança de mentalidades possam suceder as mudanças na vida real. Outra grande mudança terá de ocorrer na atitude das mulheres para que não ganhem os tiques da liderança masculina, perdendo aquilo que as caracteriza.
Estabelecer um patamar mínimo forçado, como quer o Governo, é um passo em frente. Ajuda a criar hábitos e exemplos de desempenho e, por outro lado, quebra barreiras que, de facto, impedem muitas mulheres de entrar na política e de assumirem cargos públicos.
Quanto mais elas se forem afirmando, verão que teremos gente competente e o contrário, com as mesmas virtudes e defeitos próprios do ser humano. Mas não vale a pena ir contra a natureza das coisas e as estatísticas. É tempo perdido e muito talento desperdiçado.

À noite tenho uma tarefa suplementar que é recolher a minha gata. Reparo que vem sempre acompanhada por uma gato cinzento, em plena brincadeira, até que chegam ao portão da minha casa, a fronteira do seu território, aí, ela vira-se assanhada para trás até o intruso dar meia volta e partir. Tenho impressão que andam na guerra ao contrário.

sábado, março 11, 2006

Tenho um problema com a minha filha





Telefonou-me um amigo, dizendo que precisava de falar muito comigo. Tinha um problema com uma das suas filhas. Passaram-me logo pela cabeça mil e uma coisas: a miúda meteu-se na droga. Ou está doente. Ou pode estar com algum problema na escola.

O meu amigo é a pessoa mais prestável que conheço. Faz, reiteradamente, quilómetros de carro para ajudar um amigo que precise. Está sempre disponível para trabalhar e para partilhar momentos de alegria.
É um pai galinha, que ia levar os filhos e os amigos dos filhos à discoteca e ficava à espera, de madrugada, dentro do carro, que eles saíssem para os levar de volta a casa.
Tem, tal como eu e muitos dos meus leitores, a educação e os estereótipos que nos foram transmitidos desde pequenos.
-Então pá, o que é que se passa?
-Ando de cabeça perdida há uma semana, com um problema grave.
- O que foi?
- A minha filha tem uma namorada.
- Oh meu amigo (rematei de imediato, sem tentar transparecer a minha incapacidade de dizer muito mais) todos os males fossem esses. Se ela tivesse um problema de saúde, se consumisse droga, se tivesse partido uma perna…
- E logo aquela que era a mais parecida comigo.
- Oh rapaz aconselho-te a assumires a situação, a compreenderes o que se passa, a dar tempo ao tempo.
- E até já teve vários namorados e agora já vai na segunda namorada.
-Pois é meu amigo. Temos de aceitar, não condenar e apoiar a rapariga porque ela vai precisar da tua compreensão e dos irmãos.
- Obrigado. Eu já lhe disse que uma pessoa na situação dela, ainda por cima sendo mulher, tem de se aplicar ainda mais do que os outros e ser independente profissional e financeiramente, pois caso contrário vai ser marginalizada. Tem de se agarrar aos estudos e ser muito boa naquilo que fizer. E quero conhecer a namorada.
Pobre do meu amigo. E logo a ele, homem que casou cedo, muito pretendido, com filhos crescidos, que ainda olha para as catraias que passam, havia da natureza pregar-lhe uma destas.
Quantas filhas têm a sorte e a felicidade de terem um pai a quem possam dizer: “ Oh pai, tenho uma namorada.” Há poucos pais e filhas que consigam dialogar assim e encarar o futuro.
A televisão, a projecção pública do modo de vida dos ídolos, a liberdade, a qualidade de vida e bem-estar concorrem para que estes fenómenos se manifestem, agora de forma mais aberta e visível. Não significa isto que a sociedade compreenda e aceite sem reservas os desvios do padrão. Estes homens e mulheres que gostam de pessoas do mesmo sexo não têm vida fácil na família, na escola, no trabalho, na sociedade. Mas é uma realidade com a qual temos de aprender a lidar. Ela existe. Aliás, sempre existiu. Às claras ou às escuras, dissimulada.
Não sei, nem me interessa se está certo ou errado. É a diversidade que temos de respeitar.
Tem filhos. Pense bem antes dizer alguma coisa. Não vá ele entrar-lhe amanhã pela casa dentro a apresentar-lhe o namorado. Está preparado? Eu não sei se estou.

sexta-feira, março 03, 2006

Sinais e percepções. Nada mais




José Sócrates

Assisti a várias intervenções do primeiro-ministro, José Sócrates, na sessão plenária da Assembleia da República. Fiquei com a sensação de que é um homem que está convicto daquilo que defende.

Que está muito bem preparado nos diversos temas que debate ou que é confrontado pela oposição. Demonstra que está a agir no presente, que tem uma ideia de futuro para Portugal e, o mais importante, que utiliza a memória histórica para enquadrar a defesa das suas posições. Fala claro e com determinação. É um sinal de consolidação de um carisma e de afirmação de uma liderança.
Ficamos com a percepção de que temos à frente do Governo um político forte, dinâmico e cheio de energia.

Marketing Autárquico

Esta semana estive em contacto com técnicos superiores de diversas autarquias. São, na sua maioria, pessoas que trabalham nas áreas da comunicação e assessoria de imprensa juntos dos presidentes de câmara ou em diversos departamentos camarários. É gente que possui juventude, formação escolar superior, alguns deles estão a frequentar mestrados ou a preparar doutoramentos. Tivemos uma conversa de algumas horas sobre marketing autárquico. Constato que o marketing e a comunicação da maioria das câmaras ainda não saiu da mera economia das boas e más notícias na imprensa nacional e local, da sua existência ou não. Diagnósticos baseados em estudos quantitativos e qualitativos de mercado e de opinião, estratégias e planos baseados em evidências factuais para aumentar a competitividade dos municípios, políticas continuadas de comunicação pública e política, são uma miragem. Continuam a informar unilateralmente os munícipes e utentes, preterindo a acepção mais democrática e funcional da comunicação, que é promover a participação dos cidadãos na gestão autárquica. Confunde-se o conjuntural, o marketing eleitoral, com o estrutural, de médio e longo prazos, o marketing autárquico e público.
É um sinal da falta de preparação dos eleitos.
Ficamos com a percepção de que há um défice de democracia e de comunicação democrática.

Liberdades e Justiça

A discussão sobre as liberdades está aí, relançada pelas buscas numa redacção de um jornal diário da capital. As pessoas sentem-se escutadas e incomodadas com a potencial imiscuição na sua esfera privada, quando ao arrepio da lei. As pessoas não compreendem como aparecem notícias nos jornais sobre investigações e processos que correm supostamente em segredo técnico-jurídico. Os cidadãos falam, amiúde, do poder dos jornalistas que pode afectar a dignidade e o bom nome de muitos cidadãos. Mas as pessoas pelam-se em comprar e consumir jornais e informação sobre a vida privada de outros cidadãos. Estes entram no jogo e aumentam o seu valor de mercado propiciando notícias sobre a sua vida, nessa mesma imprensa. Somos contra o excesso de prisão preventiva, porque prejudica a liberdade e a presunção de inocência e as liberdades dos cidadãos. Mas queremos que as autoridades actuem contra o crime e a insegurança. Queremos uma Justiça célere ao mesmo tempo que desejamos ver garantidas as nossas liberdades, direitos e garantias.
São sinais contraditórios, em que os desejos e as possibilidades se chocam na prática, na história, na cultura e na psicologia dos portugueses. Sinais de que algo se está a fazer mas que se tem de ter em conta que num dos pratos da balança estão os direitos, liberdades e garantias, a liberdade dos cidadãos e, no outro, a segurança e a credibilidade e de um sistema de justiça e de ordem pública que se quer forte e respeitado.
Ficamos com a percepção que os governantes estão a meter a mão na massa e a contender com práticas que devem acabar.