terça-feira, dezembro 13, 2005

Que chatice, um boato


Ando a pensar como vos posso falar dessa coisa estranha que é o boato. Começo este artigo sem saber por onde devo começar. Talvez lembrar a história de uma criança que foi picada por uma serpente quando mexia nas bananas expostas nas bancas de um hipermercado.

Um boato com barbas e clássico. Lá está a angelical
criança, as bananas, fruto oriundo de um país africano ou da América Latina e, a vítima do boato, um hipermercado. Mais elucidativo é falar na doença mortal atribuída a François Miterrand, no auge da sua carreira ou a uma conhecida cantora francesa. Entre nós recordo, no Verão, a célebre onda que iria varrer o Algarve do mapa e que fez entrar em pânico tanta gente.
O boato é assim. Corre rápido. E anda mais rápido quanta mais verosimilhança ele consegue aparentar. Ele existe porque tem valor para quem o transmite. Não interessa se é verdadeiro ou não. Ele ganha foros de notícia. Muitas vezes os órgãos de comunicação social amplificam e aumentam o seu raio de acção.
Partilhar um boato dá estatuto a quem o divulga. O transmissor mostra estar na posse de uma informação importante. Outras vezes escuda-se no diz-se, diz-se, da comunidade, do grupo, e divulga o dito.
O boato nasce, cresce e vive de forma mais ou menos irregular. Enquanto mantiver a sua utilidade, valor e novidade progride sem parar. Quando começa a ser esmiuçado, se alguém pára para aferir dos seus elementos constituintes e dos factos em que pretensamente se ancora, começa a perder embalagem. Muitas vezes morre. Mas pode ressuscitar em tempo oportuno. O boato corre. A sua velocidade é susceptível de ser aferida. Ele pode ser fruto de uma informação mal percebida e distorcida ou ser voluntariamente criado com fins políticos, económicos ou de diversa ordem. Umas vezes resulta, outra é um nado-morto. Lidar com os boatos requer perícia, sangue-frio, ciência e bom-senso. Ele pode ser travado. Os seus efeitos podem ser minimizados. Virar-lhe as costas pode provocar sérios danos na reputação de pessoas, organizações ou produtos.
“Ele é o mais antigo dos mass media. Existe antes da escrita, quando o que se dizia de boca em boca era o único canal de comunicação.”* Um boato é uma informação noticiosa, não verificada, transmitida por boca ou amplificada pelos media. Actualmente a Internet é um óptimo veículo de transporte do mesmo.
Há locais propícios à sua propagação. Os sítios onde se reúnem grupos de pessoas, uma comunidade religiosa, uma praça, um agrupamento desportivo, uma organização política. A credibilidade de quem o difunde é um factor importante. Se quem me diz que determinada pessoa é isto ou aquilo for alguém que reputamos idóneo, com créditos aparentes na veracidade de informações anteriormente transmitidas, a informação contida no boato ganha mais consistência e leva-nos, num primeiro momento, a dispensarmos a confirmação dos elementos do mesmo.
Se nos disserem que a existência de jacarés nos esgotos de Nova Iorque, facto derivado ao facto de um detentor desses bichos se ter fartado deles e os ter enfiado pela sanita abaixo, permitindo a sua multiplicação sem controlo, quase que compramos a ideia. O mesmo se nos dissessem que uma associação de defesa das espécies teria lançado cobras de avião sobre uma determinada região para combater uma praga de outros animais, tal nos pareceria possível e aceitaríamos que a multiplicação das ditas estaria a provocar uma invasão de cobras numa povoação vizinha do local. Só que, quando paramos para pensar, verificaremos que as pobres das cobras se teriam esmagado ao embater no chão, quando lançadas de tal altitude.
Uma teoria dos boatos terá de abarcar aspectos como a natureza do boato, comportamento e ciclo de vida do mesmo, origem, meios de divulgação, velocidade de difusão, neutralização e estratégias de combate e comportamento face aos mesmos. Confesso que não é um tema fácil. Que se confunde com a notícia, com os rumores e mexericos. Mas é uma necessidade estar preparado para agir quando eles surgirem.
O meu primeiro encontro profissional com um boato, conhecido de todos, foi quando trabalhava a imagem da McDonald’s. Tive de levar os jornalistas a verificarem ao vivo, em Paris, que os hambúrgueres eram feitos de carne de vaca e não de minhoca, e segundo elevados padrões de qualidade e higiene. Até porque a carne de minhoca seria muito mais cara.
Eles são na sua maioria falsos. Mas não necessariamente, podem ter fundamento. Podem magoar. E já mataram. Outras vezes, se bem enquadrados, podem até dar o resultado inverso do que pretendem os seus autores. “As convicções íntimas que movimentam os povos partem frequentemente de meras palavras.”* Podemos chamar-lhe de fé, onde assenta o saber social.

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