terça-feira, dezembro 13, 2005

Licenciatura de caçador de dinossauros


Periodicamente reúno um grupo de amigos para jantar e debater um tema. O último encontro foi dedicado aos engenheiros, à engenharia portuguesa e o meu convidado foi António Segadães Tavares. Pois é, não sabe quem é? Tubo bem.
Presentes estavam amigos de diversas profissões e áreas de actividade, juristas, economistas, consultores, professores universitários, homens da rádio e da televisão, alguns políticos.
Ficámos a saber que o orador tinha, entre outras realizações, projectado e calculado a estrutura da nova pista do Aeroporto da Madeira. Por acaso, também foi ele quem fez os cálculos de engenharia para o Pavilhão de Portugal, implantado nos terrenos da Expo 98, incluindo a obra de arte que foi garantir a exequibilidade estrutural da célebre Pala do referido edifício, desenhada por Siza Vieira.
O Segadães, ainda jovem, depois de ter terminado o curso, em 1968, como melhor aluno do ano, o que lhe valeu o Prémio da Fundação Engenheiro António de Almeida, foi convidado para fazer directamente a tese de doutoramento no Massachusetts Institute of Technology - MIT. Participou, nos Estados Unidos, na solução de obras de engenharia batendo-se, de igual para igual, com os seus congéneres norte-americanos.

Em 2004, António Segadães Tavares foi o primeiro português a ganhar o "Nobel" da Engenharia de Estruturas, com a ampliação do aeroporto da Madeira, prémio "Outstanding Structure Award 2004" (OstrA), atribuído pela "International Association for Bridge and Structural Engineering" (IABSE).
Pois é, continua a não saber quem é este homem, também professor universitário, no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, para quem “ uma expressão matemática é bela e é funcional” e que mantém uma reserva quando começa a ver coisas confusas e complicadas. Ele é um homem prático, que adora conversar, dançar, ler, ouvir música, viajar, cozinhar para os amigos e andar de barco.
Este engenheiro traçou de forma rápida os momentos altos da nossa engenharia, quando dávamos cartas, quando exportávamos conhecimento nesta área, quando ele desenvolvia, como ainda teima em fazê-lo agora, o software necessário para os seus projectos de engenharia e garantes do rigor das suas obras. Ele fica triste porque constata que agora perdemos essa capacidade de produzir e vender conhecimento, importando as soluções e os sistemas, alguns deles com graves lacunas, de Espanha, da Áustria e de diversas partes do mundo, com as actualizações necessárias ao bom prosseguimento do negócio de alto valor acrescentado de importação de programas.
E eis que chegámos aos dois pontos sobre os quais interessa meditar. Temos um Nobel da engenharia, que ninguém conhece. Que três meses após a distinção mundial, ninguém havia reparado em qualquer referência ao facto na Comunicação Social, não fosse a Ordem dos Engenheiros ter lançado mãos à obra e feito o seu dever. Dar a conhecê-lo.
E, segundo ponto, quando em Portugal tanto se fala em qualificar, em exportar produtos e serviços de alto valor acrescentado, em contraponto aos resultantes da utilização de mão-de-obra intensiva. Quando se procuram exemplos de competência e capacidade empreendedora, não aproveitamos a obra deste e de outros homens para motivar os jovens e levantar a nossa auto-estima e confiança.
Já não falo, como foi referido no jantar, que alguns projectos de vulto têm para os portugueses excessivas limitações orçamentais, obrigações de utilização de software e soluções importadas, quando, para outros, vindos de fora, com iguais qualificações, pelo facto de serem estrangeiros e defenderem melhor os políticos das críticas domésticas, não há orçamentos, nem concursos.
Pois é, continuamos a desperdiçar competências, exemplos, conhecimentos e oportunidade de construir riqueza numa das áreas tecnológicas de maior valor acrescentado.
Como diz o Segadães,”continuamos a ter licenciaturas de caçador de dinossauros”, no final das quais e perante a falta de emprego, se criam mestrados de caçador de dinossauros e, perante o resistente desemprego, se fazem doutoramentos de caçador de dinossauros. E, como já não há dinossauros, os doutores são aconselhados a serem professores de licenciaturas de caçador de dinossauros. Num ciclo vicioso a pairar sobre o abismo. Valha-nos o LNETI, como instrumento para o tão apregoado choque tecnológico. Ou será que nem ele tem forças para nos valer.

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