quarta-feira, dezembro 14, 2005

Impressões de uma visita a um hospital público




Durante a Páscoa de 2004 fui visitar um hospital público, em Lisboa. Corria nos Açores a longa pré-campanha das eleições regionais, interrompida pelas eleições europeias.

A primeira impressão do Hospital, para além dos medos que a circunstância causa, foi de algum desconforto. Ao atravessar as portas deparo com um edificado envelhecido, do tipo colonial, onde diversos edifícios, separados por caminhos e vielas, aparentemente cansados, me iam anunciando as diversas especialidades.

Diagnóstico feito, sentença traçada: operação cirúrgica para extrair algo que já tinha ultrapassado o seu prazo de validade.

Fiquei três dias. À primeira impressão foram-se substituindo outras. Senti tratamento humano, carinho e profissionalismo. Tudo foi feito no tempo psicologicamente certo, com rigor. Uma enfermeira sentou-se no cadeirão ao lado da minha cama e, sem pressas, solicitou-me que perguntasse tudo o que quisesse saber sobre a intervenção. De seguida, preencheu um formulário e despediu-se com um até mais logo. _ Lá estarei à espera e a acompanhá-lo.

No entretanto, dou de caras com o conhecido Eduardo Barroso, inconfundível - o chefe clínico, o comentador desportivo, o cirurgião – andava, atarefado, pelos corredores. Numa sala de visitas reencontro, completamente transformado, emagrecido, uma figura são-tomense, conhecida da política da ilha e da noite africana lisboeta.
Enquanto espero, deitado, sem que os meus parceiros se apercebam de nada, vou trabalhando ao telefone. Com o realizador Nuno Teixeira acerto a finalização do tempo de antena de Paulo Casaca, ausente no Iraque. Trato ainda de outros assuntos que deixara em andamento em Ponta Delgada. É a sociedade da informação. Não há limites, nem entraves, nem tempo, nem distâncias, nem juízo…

Fui submetido à intervenção. Respirava-se profissionalismo, simpatia, sentia-se que tudo estava organizado no Bloco. Cada pessoa estava compenetrada do que tinha para fazer e ainda tinha tempo para uma palavra simpática. Só me lembro de uma última pergunta_ Quer que grave a operação?

Acordei e estou numa sala de recobro, com uma equipa de batas brancas por perto. Mal distingo as figuras enevoadas aos pés da cama. Oiço uma voz: _ Correu tudo bem. Adormeço.
Já na enfermaria esta rotina de profissionalismo e atenção vai afirmando uma tendência.
No quarto, no leito da frente está um rapaz em mau estado. Havia festejado com tanta intensidade o golo do Benfica que acabara por cair de um muro abaixo. Ossos partidos, cara amassada, problemas internos, tudo por causa de um golo. Ao lado, um pobre coitado transportava um “feixo-eclair” que lhe fechava a barriga, do externo até mais abaixo do umbigo. O outro companheiro, homem alto, lá ia ditando as suas sentenças:
_ Este isto, aquele não se safa, eu …

Eis que chega o dia da saída. Passados alguns dias regresso ao hospital para retirar os pontos. O padrão mantém-se: profissionalismo, simpatia, competência.

De lá para cá tenho falado com pessoas que por lá passaram e a opinião é unânime. Do melhor.

Fui agradecer ao director do hospital, Pedro Canas Mendes. O homem pega em mim e leva-me pelos jardins. Mostra-me a Capela a acabar de construir. Apresenta-me o Capelão, com quem cuida dos ânimos e estados de espírito dos doentes. Aponta-me um dos tratadores do jardim, retirado das ruas do desemprego e da vagabundagem e que agora anda ocupado a tratar dos espaços verdes do hospital.
Canas Mendes, entusiasmado, com o brilho de quem gosta do que faz espelhado nos olhos, conta-me como arranjou dinheiro para determinado equipamento, como não pode largar na rua 15 velhotes sem família e que vivem no hospital. Explica-me as pequenas histórias de sucesso que é salvar vidas… pelo caminho continua, sem parar, a cumprimentar e a falar com funcionários, doentes e corpo clínico. Tom Peters , o guru americano da gestão fala neste tipo de gestores que sabem gerir fora do gabinete.

É um hospital público, sim senhor - é o Curry Cabral, em Lisboa.

É um hospital idoso, bonito por fora e por dentro. Com alma. É como um idoso simpático, que ao fim de dois tempos de convívio faz-nos esquecer as rugas da sua cara. O Curry é jovem, é dinâmico, e funciona bem, e consegue ser humano e ter acção de âmbito social, e cooperar com os Palops, e ainda está na linha da frente no que diz respeito ao exercício da medicina. O Curry consegue ser pioneiro nas compras electrónicas, ser bom nos transplantes hepáticos, e obter rácios de gestão hospitalar dos melhores do país, entre muitas outras distinções. Nós, os doentes, sentimos que esses rácios fazem sentido, fomos bem tratados. Temos confiança.
Só espero que o Dr. Canas Mendes não resolva tão cedo dar uso à sua casa nos Açores, no Pico, terra de que tanto gosta, e continue a satisfazer os seus utentes e, porque não, o “accionista único” - o Estado.

Bem hajam.

1 Comments:

Blogger Paul Nunesdea said...

Eu também sou cliente do Curry Cabral, e subscrevo inteiramente estas palavras.
No meu caso, sou seguido na consulta de cardiologia e fiquei agradavelmente surpreso com a organização interna e marcação informática das consultas num hospital público que funciona melhor que alguns privados que também conheço.
Bem hajam!

10:22 da tarde  

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