Convém não ficares a falar sozinho.
“ Concordo com quase tudo o que escreves: está a acontecer uma mudança de paradigma político e poucos já o perceberam. A política pragmática vai substituir os debates ideológicos. E a personalidade dos políticos será cada vez mais determinante, bem como a clareza das suas propostas.
Mas deixo-te uma proposta de reflexão: será que a primazia da personalidade sobre os partidos e o pragmatismo (que se aproxima da simplificação redutora) das propostas não aumentará o território da demagogia? Este é o grande desafio político dos próximos anos…”
Ricardo Jorge Pinto
No seguimento de meu último artigo, e perante o comentário de um amigo e especialista em jornalismo político e comunicação política, irei tentar reflectir sobre o novo paradigma político, o pragmatismo, a personalidade dos políticos, como factor distintivo e de atracção de apoios, e o perigo da demagogia.
Há, sem dúvida, um novo paradigma político, um modelo de intervenção que se vira cada vez mais para a resposta às questões concretas. Os políticos mais bem sucedidos são aqueles que incorporam no seu discurso e prática política os anseios reais das populações. São os que conseguem aproximar as suas propostas da satisfação desejada pelos cidadãos. É um fenómeno de adequação ao mercado, fruto de um melhor conhecimento do mercado e de cada consumidor eleitor. Será pernicioso para o sistema virar as políticas para as respostas às necessidades dos cidadãos? Não me parece. Vejo nisso um aumento da utilidade da política.
A importância da personalidade dos políticos, com todos os atributos para ela concorrentes, do carisma, da liderança, da confiança, da competência, da identificação, da simpatia, do discurso e da imagem, é uma decorrência da necessidade que os projectos têm de ser transportados e defendidos por líderes. É um juízo do tipo - gosto do político tal, ele inspira-me confiança, tem capacidade para colocar em prática o que defende, e diz coisas com as quais me identifico. Para além dos perigos de vazios posteriores nos momentos de substituição de lideranças, este fenómeno trás a vantagem de maior responsabilização da liderança.
Líderes com personalidade e pragmáticos podem significar a cedência à demagogia?
A demagogia significa a falta de sentido de Estado, o desrespeito pelos cidadãos e conduz a uma política condenada ao fracasso, pois não permite pensamento e acção estratégicos, virados para o desenvolvimento e para o bem comum. As soluções conjunturais sobrepõem-se às políticas estruturantes e às decisões de fundo e estas convivem mal com políticas de satisfação conjuntural de clientelas mais ou menos alargadas de cidadãos. Agradar a todos é uma missão impossível em política, face à escassez de recursos e aos interesses contraditórios dos cidadãos.
O que se pede hoje aos partidos e aos políticos?
Uma nova forma de pensar a política, renovando-se constantemente em função dos tempos e das novas necessidades dos cidadãos. A organização dos políticos tem de reformular os mecanismos de relação com os cidadãos, conseguir produzir projectos e programas políticos que se identifiquem com os seus destinatários.
Como podem os partidos políticos, como forma de organização política, serem preteridos pela força crescente dos líderes?
Para que isso não suceda têm de resolver questões de proximidade, de inserção social, de imagem de marca, de actualização de programas e práticas, de canais de troca de informação com os seus públicos-alvo.
A proximidade é um factor essencial para que os cidadãos percebam a utilidade das organizações políticas e vejam nas representações políticas veículos da sua vontade e do mandato.
A inserção social prende-se com a rede de apoios que os projectos e programas devem conseguir junto de um número alargado de cidadãos que se vejam representados e parte integrante da organização, como militantes, simpatizantes ou simplesmente eleitores.
A imagem de marca, tão necessária à definição de um território eleitoral e fortalecimento de fronteiras, implica a utilização de todas as disciplinas da comunicação que tornem a marca percebida o mais próximo da imagem de marca desejada, permitindo um controlo total dos sinais emitidos, evitando as distorções dos portadores não controlados. Os sinais emitidos através dos jornalistas são menos controláveis do que os sinais emitidos pela comunicação publicitária e por outras técnicas de comunicação. A credibilidade conferida pela mensagem intermediada pelos jornalistas deve ser compensada pelo maior controlo sobre a mesma que é permitida pela publicidade e o contacto directo. Os problemas surgem na linguagem excessivamente comercial e publicitária que não pode contaminar a mensagem política. Os programas devem concitar a adesão do maior número possível dos cidadãos.
A grande questão prende-se com os canais de distribuição e recolha de informação em que factores como custos e eficiência devem caminhar a par da inovação e da criatividade. Canais de distribuição, na medida em que a comunicação flúi, vai e vem, por diversos canais. Já foram sinais de fumo, hoje são bites. O que permanece é o homem, neste caso, os homens. Para não ficarmos a falar sozinhos.
Por fim como combater a abstenção eleitoral e dinamizar a participação cívica?
É um processo de aperfeiçoamento do sistema, que deve começar na educação esclarecida para a cidadania e participação e que deverá ser levada a cabo a nível local e nacional.
O recrutamento e ascensão de quadros políticos deve conquistar cidadãos e premiar a sua ascensão em função de critérios que se não resumam a caciquismos e jogos de aparelho que funcionam em circuito fechado, cada vez mais sobre sí próprios, mais distantes dos cidadãos.
Por fim, o exercício da política e de funções públicas, deve ser objecto da difícil criação de mecanismos de maior confiança e destruir os becos de dúvida, ilegitimidade, dando prioridade a regras claras e transparentes do exercício do poder. Mais do que fortes medidas sancionatórias, à posteriori, reagindo à falência do sistema, a democracia e o sistema político necessitam de mecanismos de transparência.
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