sexta-feira, janeiro 20, 2006

A mulher-a-dias já não me atende o telefone*



Passei no Terreiro do Paço e reparo em António Costa de braço dado com Ascenso Simões, seu secretário de Estado, numa conversa animada.
Atrás, seguia uma senhora, tirando notas. Prossegui o meu caminho e, mais à frente, vejo que Alberto Costa andava num vaivém, com um secretário de Estado de cada lado, e um rapazito, mais atrás, que carregava com uma quantidade de dossiers. Deve ser coincidência. Continuei e, no Largo Camões, encontro, de cigarro ao canto da boca, Manuel Pinho e os seus secretários de Estado, acompanhados pelos respectivos assessores, a descerem em direcção ao Chiado. A conversa devia ser interessante. O ministro, pensativo, ouvia com atenção os seus interlocutores. Que estranha coincidência, três ministros na rua com as suas equipas. Subi ao Príncipe Real e vejo, no jardim, um grupo de Juízes do Tribunal Constitucional, numa roda, cheios de calhamaços debaixo do braço, ocupados numa acesa conversa.
Mau, mau. Isto já não me parece nada normal. É muito poder na rua e no mesmo dia.
Desci a rua, rumo a S. Bento e, para meu espanto, dou de caras com Jaime Gama e os seus vice-presidentes da Assembleia da República, todos atarefados a tomar notas e a escrevinhar umas papeladas.
Vou, curioso em direcção à São Bernardo e, logo na esquina, José Sócrates era seguido por uma comitiva de assessores, guarda-costas, cheios de pastas, computadores pessoais.
O nosso primeiro gesticulava e parecia dar as suas instruções, a que, sem mexer os lábios, anuíam os que o rodeavam.
Algo de estranho se passa neste País e com os nossos governantes e titulares de órgãos de soberania, pensei, intrigado.
Eram 15h00, e fui esperar um amigo ao aeroporto. Estava na zona das chegadas quando reparo que Carlos César, o presidente do Governo Regional dos Açores, acabado de chegar, recusa entrar no carro, já com as portas abertas pelo motorista, e segue, a pé, em direcção à cidade, acompanhado por dois secretários regionais e um deputado dos Açores na Assembleia da República.
Cumprimento o meu amigo recém-chegado e seguimos para Belém, pois este amigo queria comprar os famosos pastéis de nata. Qual não é o meu espanto, quando chegado a Belém, deparo com Jorge Sampaio nos jardins fronteiriços ao Palácio a esbracejar com Souto Moura. Telefono para alguns amigos, a quem conto o que presenciei durante todo o dia. Começámos a conjecturar sobre o significado de tanto político na rua.
Avanço com a primeira possibilidade: deve ser uma nova forma de exercício do poder. Uma inovadora metodologia de gestão aplicada à coisa pública que é gerir andando pelas ruas, ouvindo e cumprimentando o povo, à vista de todos. Uma original forma de ouvir e nada esconder do povo, fazendo tudo às claras.
Mas o meu amigo não aceitou a interpretação. Diz-me que deve ser uma maneira dos governantes combaterem a inacção e o colesterol, garantindo, desse modo, um perfeito estado de saúde e sanidade mental: corpo são, mente sã. Podia ser. Mas não aceito. Era mais fácil contratar um treinador pessoal para cada gabinete, colocar uma passadeira rolante e o assunto estaria resolvido.
Lembrei-me que alguns edifícios estão doentes. É isso. Eles estão a fugir ao amianto utilizado na construção dos edifícios. Nada melhor do que despachar na rua, respirando ar livre de substâncias cancerígenas. Rapidamente o meu amigo me recordou que à data da construção dos edifícios em causa não utilizavam aquele material nocivo à saúde.
De repente, fez-se luz. Vou telefonar e perguntar a um motorista da presidência do Conselho se ele sabe o que se passa com os governantes.
Telefonei ao António Passo os Dias a Guiar e a resposta foi imediata - É por causa dos telefones.
-Dos telefones… Mas não há cobertura dentro dos edifícios?
- Não é nada disso, são as escutas. Os nossos governantes e políticos, a partir de agora passam a trabalhar na rua. Assim estão ao abrigo das escutas telefónicas. Já agora, se quiser saber mais pormenores, podemos falar pessoalmente no Jardim da Estrela. Muito bem António, estou esclarecido. Obrigado.
E eu a pensar que era uma inovadora forma de gerir caminhando pelos corredores, neste caso pelas ruas. Como pude esperar tal avanço nos métodos de gestão.

* Esta crónica é uma ficção e não corresponde à realidade. Os nomes em causa foram abusivamente utilizados por mim para retratar o irreal do dia a dia em que vivemos.

Nota: Segundo notícia do último Expresso, Bill Gates vai investir na formação de mulheres desempregadas do Vale do Ave, Norte de Portugal, em noções básicas de informática. Ele sabe que apenas 20% do esforço investido interessam para obtermos os resultados que procuramos. Destes 20%, ele dedicou 20% à Informática, obviamente, para ele e para elas. Gostava de saber em que pensa investir o nosso Governo para preencher os restantes 80% dos 20%, para que se cumpra a célebre Lei 80/20 de Pareto.

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