De que cor era o fumo?
Do meu antigo gabinete, quando o ritmo acelerava e os nervos se soltavam, dava muitas vezes comigo a olhar pela janela, contemplando uma chaminé implantada num edifício, de linhas simples, sem excessos nem argumentos desnecessários. Umas vezes era o fumo branco que brotava. Outras, era o negro. Então, lá vinham ao de cimo, as histórias, os medos, as fantasias, as patranhas e imagens que me ofereceram em criança: aquele vai para o Céu. Mas que alma negra, a caminho do purgatório. Frio, distante, lá fazia as minhas análises e contas acerca das almas e da sua encomenda aos céus ou aos infernos.Hoje fui lá. Aos Olivais. Estive no local onde as almas se separam pelos caminhos imaginários da salvação ou da penitência. Fui apenas dar um beijo à irmã de um amigo que partiu. A Odete, a cuja casa ia quando era pequeno. Ela estava igual a ela. Passados mais de 20 anos, reapresentei-me. Ela chamou-me pelo nome próprio. Dei-lhe um beijo, fiz-lhe uma festa no cabelo, e fui-me embora.Para trás ficou o corpo do Raul. Não esperei para verificar se saiu fumo branco ou preto. Apenas revi mentalmente as suas músicas, as da minha infância e as que se seguiram.
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