terça-feira, fevereiro 13, 2007

Talhante, ou talvez não.


Ontem estive nas urgências de um Hospital de Lisboa e, ao passar uma porta de entrada de serviço, lateral, deparo com um português típico, obeso, sentado num canto exterior, agarrado a um tripé de onde pendia um saco com o soro que lhe era ministrado. Na outra mão fumegava um cigarro de onde ele retirava goladas de fumo e passas vigorosas. O médico que me acompanhava, antes que eu dissesse alguma coisa, logo me atira categoricamente:
_ é a nova forma de tratamento do enfarte e de desintoxicação.
Acompanho o meu amigo e, enquanto ele aguarda os resultados das análises ao sangue, dirijo-me ao refeitório do hospital, onde vou tomar uma refeição.
Qual não é o meu espanto quando vejo entrar a figura de talhante, estivador, taxista bronco, tasqueiro, lutador de boxe desmazelado e gordo - qualquer uma destas tipologias se lhe aplica - de cigarro na mão, com calças de pijama, que se senta na mesa atrás de mim.
Meto conversa com a criatura e logo ela me explica:
_ A gaja drogou-me. Só acordei no hospital depois de ter ido para casa sem saber como.
_ Oh amigo, mas como foi isso?
_ Mas eu sou batido, fui comando e da polícia do exército, e fui cair nesta... A gaja meteu-me comprimidos no copo, eu adormeci, e gamou-me o fio, a carteira está aqui porque estava no carro.
_ E agora?
_ Agora vou lá apanhá-la e levá-la a dar um passeio ao Guincho. Vai aprender. Vou parti-la toda. _ Não faça isso homem.
_ Eu fui comando... vou partir-lhe aquela tromba toda.
_ Mas você fuma ali no hospital ao mesmo tempo que recebe o soro...
_ Oh meu amigo, há mais de dez anos que venho a este hospital. Já me conhecem todos, infelizmente. Sou cliente.
_ Entra uma médica que lhe interrompe a colherada de sopa e diz:
_ Ó senhor, andam à sua procura. O meu colega e a enfermeira procuram-no.
_ Já lá vou. Já lá vou.
_ Entretanto senta-se a filha à frente, que ouviu parte da conversa e logo explica:_ eu já não vou em cantigas, nas discotecas levo sempre o copo comigo, mesmo quando vou à casa de banho, ou tapo-o sempre com a mão.
Estas idas ao hospital tiram-me sempre do sério. E no meio da desgraça e da doença sempre me rio.
Ele, o talhante, lá continuou no seu percurso para o avc, cigarro atrás de cigarro, preparando-se para tratar da menina de Corroios. Ele que nunca queria saber de brasileiras. Afinal já estava a ficar com dúvidas.