quinta-feira, dezembro 27, 2007

A vida é assim

Linda
Alinhada
Desalinhada
Matreira
Gulosa
Veloz
Lenta
Exigente
Fácil
Simples
Exagerada
Humana
Desumana
Incompreensível
Clara
Cruel
Bondosa
É a vida.
Como nos deram. Como a fazemos. Como a merecemos.



Como é humana e des

terça-feira, dezembro 25, 2007

Despedida


Já cheirava ao Natal quando, pela manhã, me chegou a notícia. O Tembe tinha partido, assim tão de repente.
Lembro-me dele na universidade, do tempo em que fazíamos o Universus, um jornal das unversidades. Lembro-me de o ter levado para o meu grupo de amigos. Lembro-me do seu ar comprometido, enigmático. Rimo-nos quando um dia escreveu que a Gulbenkian tinha cortado as bolsas à bumbada (estudantes pretos, como ele). Conheceu e privou com Senghor e outros amigos por esse mundo fora.
Agora, de repente, o Tembe partiu para o Oriente Eterno. Deixou-nos com uma tarefa a meio.
Estivemos juntos, pela última vez, nos Açores. Ele representando a Matola e Moçambique num Congresso da ANMP.
Foi bom conhecer o Tembe.
Recordo o seu gesto quando estive, há muitos anos, em Maputo. Recebeu-nos em casa da sua idosa mãe com uma mesa farta e muito calor humano.
A nossa ultima missão foi saber, nas cadeias da Matola, sobre o paradeiro de um amigo português ali encarcerado, o Jorge.
Gostava do Tembe.

Desilusão, de Mia Couto, in idades, cidades, divindades

Desiludido com o mundo,
Afrânio concluiu: " uns são filhos da puta,
outros só não o são
porque a mãe é estéril"

Decidido ao suicídio,
no alto da falésia hesitou:
" no mar não me lanço
que é demasiada sepultura.
Como receberei flores
entre tanto peixe faminto?"

Ante a fogueira, Afrânio desfez as contas:
" Na labareda, não.
Como distinguiria,
depois, entre a cinza da lenha ardida?"

Quando na allta copa se pensou pendurar,
uma vez mais ele se avaliou.
E recordou o vizinho Salomão
que, de enforcado, se converteu em fruto,
seiva correndo na veia,
polpa viva a seduzir a passarada.

Afrânio regressou a casa,
resfregou as solas sobre os tapetes,
a esposa festejou o novo alento.

Engano seu, mulher, respondeu Afrânio.
Eu apenas escolhi outro suicídio.
A minha morte é este viver.

Maputo, 2006 Mia Couto

segunda-feira, dezembro 24, 2007

A memória dos homens. A sinceridade das crianças.


Férias de Natal, festas na escola do João. Este ano fui a duas. A da nova Escola e a do Ramalhão, a escola antiga, onde o João foi ver os amiguinhos e antigos colegas a representar. Uma festa, com a família, os professores, as freiras e a criançada.

Na hora do lanche o João brincava com a Carolina, com a Beatriz, feliz, quando vejo o António a chegar com os irmãos e os pais.

Fico contente e cumprimento o António, os pais.

O António foi o coleguinha de cresche do João. Brincavam muito os dois. Iam a casa um do outro. Só falavam um no outro.

Chamei o João e disse-lhe que o António estava ali. E nada. Levei o António ao pé do João, e nada. Disse-lhes que eram os dois grandes amigos. Nada. Ambos, com a sinceridade das crianças, disseram que não se lembravam um do outro e seguiram as suas brincadeiras com os novos amigos. O João, que foi de propósito à antiga escola para ver as suas amiguinhas a representarem na peça de Natal, já não reconhecia o inseparável António.

Ocorreu-me como a memória dos adultos por vezes é como a das crianças. E triste daqueles que como eu se esquecem desse fenómeno humano.

Foi um choque que me trouxe à realidade. Só que os adultos não são sinceros como as crianças.

O João e o António fizeram-me lembrar algo de muito importante sobre a natureza humana.