sexta-feira, maio 05, 2006

Os números também se gastam

28-04-2006
por joão tocha

“ Devemos ter presente que a sociedade é bem mais complexa do que os números alguma vez conseguirão determinar, bem como acentuar que o Homem e a sua singularidade, a sua identidade, são bem mais ricos do que qualquer consenso pseudo-ideológico alguma vez conseguirá quantificar.

O Homem deve constituir sempre um fim em si mesmo, para lá de qualquer sistema, ainda que económico. Os critérios de convergência, (que todos os onze Estados de entrada no euro se orgulham de ter alcançado, forçando as economias a fortes constrangimentos, com as consequências sociais que se conhecem, tiveram nalgumas áreas um impacto meramente nominal.
Ora, o bem-estar colectivo (e individual, naturalmente) é medido pela convergência real. Os índices de desenvolvimento humano e social são fundamentais. Aqui não basta dizer que a nossa inflação é inferior à alemã, ou que a nossa taxa de juro é semelhante à francesa; o importante é saber se o nosso grau de escolaridade é igual ou se os serviços de saúde têm a mesma qualidade, ou ainda, se o nosso ambiente tem os mesmos níveis de protecção. É esta convergência que se torna difícil de alcançar, pois trata-se de algo que os responsáveis governamentais (qualquer que seja o partido dominante) menos gostam de destacar perante a opinião pública.
As multinacionais, os fundos de pensões, as burocracias dos organismos intergovernamentais, todos juntos, formados na mesma cartilha, pedem aos governos para não governar. Dizem mesmo que o desemprego, as falências em grande escala, o fim do estado-providência, tudo isso é salutar para a dinâmica da economia. Quem já tem, passa a ter mais. Quem não tem, não deve atrapalhar. Só deve existir o que dá lucro.
Mas não podemos perder o pé.
Hoje em dia, mais do que a luta de classes, no sentido tradicional do termo, são as situações de falta de solidariedade, de pobreza encapotada, os casos de ruptura familiar, que se tem associado à degradação das condições socioeducativas, a ganhar relevo nos debates políticos e a exigir uma nova postura pragmática. A clivagem actual passa sobretudo pela questão do trabalho e sua reivindicação. Pela ocupação dos tempos do viver social. É dessa ocupação ou desocupação, é da disponibilidade da família para educar, é da existência de um emprego que garanta os meios de acesso aos bens de consumo, que nasce o equilíbrio ou o desequilíbrio da sociedade em que vivemos. O caminho só pode estar na aplicação de uma economia social de mercado onde a solidariedade seja um valor perene.
Hoje o debate político deve ser direccionado para as questões sociais, para discussão da cidadania social. A questão central está na existência e no papel a reservar aos direitos sociais. Trata-se de um enfoque que faz ressurgir a ética na esfera pública. Trata-se, ainda, de uma visão que deixa ao mercado o lugar do económico e volta a posicionar a política no seu lugar clássico: a defesa da liberdade e o retorno aos valores que assegurem a coesão social. “
Hoje fiz batota. Apropriei-me de ideias alheias para comentar o alcance do discurso do Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, ex-primeiro-ministro, ex-ministro das Finanças, professor de finanças públicas, ex-quadro superior do Banco de Portugal. Porque é que o homem dos números resolveu falar no combate à exclusão e pela inclusão dos mais desfavorecidos?
Terminei a leitura de “A Política sem Dogma”, Occidentalis Editora, do meu amigo, o politólogo José Conde Rodrigues. Com a sua autorização retirei para vocês uma possível explicação para o discurso do Presidente. Leiam o livro, sem dogma, apresentado por Guilherme d’Oliveira Martins e João Carlos Espada.

São virgens e sérias

João Tocha*



Há uns senhores, com direito a opinião, que volta e meia resolvem desancar nos políticos, nos assessores e nos consultores políticos. Acusam os políticos de cinismo, de privilegiados empedernidos, de embriagados com o exercício do poder, etc. Aos consultores, adjectivam de obcecados com as sondagens e os focus groups, de formatadores e esvaziadores do discurso político e responsáveis pela perda de autenticidade, espontaneidade e da própria personalidade dos políticos.
Acho que não são politicamente sérios quem faz este tipo de acusações. E a falta de seriedade política resulta do facto de muitas dessas figuras, com acesso aos canais de distribuição de informação e opinião, terem elas próprias, ao longo da sua vida, misturado papéis, assumido cumplicidades, construído factos políticos e, cereja no topo do bolo, feito política partidária e terem sido encaixados nas listas para deputados. Eles passaram pelos corredores das sedes partidárias como profissionais da política. A questão é que essas vedetas tão depressa entraram como saíram dos aparelhos.
A falta de seriedade política é o facto de terem um discurso de quem parece estar fora mas, estando dentro ou nas margens, colhe as benesses e capacidade de influência no sistema. Um senão, não cumpriram os seus mandatos até ao fim, defraudaram as expectativas neles depositadas. Da sua passagem pelos corredores do poder não veio mais luz ou substância ao discurso e prática política, para além da vã glória de poderem dizer à família que foram deputados, como os outros.

Já estamos suficientemente esclarecidos sobre os equívocos destes nossos amigos pivots, articulistas, jornalistas, assessores e consultores, políticos, gestores, e um pouco de tudo isto. Vicente Jorge Silva(PS), Manuela Moura Guedes(CDS/PP), Maria Elisa(PSD), a lista seria maior com a inclusão de assessores.

Outra falácia é o atirar as causas de um esvaziamento do discurso político para cima dos consultores de comunicação política. Os acusadores, políticos e profissionais de comunicação, deveriam saber que o melhor que pode acontecer a um consultor de comunicação é trabalhar com um político com forte personalidade, com características diferenciadoras dos restantes e uma organização que possua um programa político diferenciado da concorrência. A autenticidade e a espontaneidade (de políticos preparados e competentes, pois os improvisos dão muito trabalho) são essenciais para a comunicação com os cidadãos. É falsa a percepção de que faz parte das técnicas de comunicação obter o esbatimento do político, no discurso e na prática.

Tal como tenho feito a pedagogia e defesa dos jornalistas contra as críticas infundadas e falsas que lhes fazem, também não aceito que alguns, do alto das suas sentenças opinativas, critiquem os consultores de comunicação política. Quanto aos políticos, acho que são muito mal pagos. Deviam ser todos substancialmente aumentados. E cumprida esta condição, submetidos a um regime de incompatibilidades rigoroso e ferreamente fiscalizados.

Sou apologista de que as travessias do jornalismo para a actividade política e da política para o jornalismo, e aqui incluo assessorias e ocupação de cargos electivos, sejam disciplinadas ou auto-disciplinadas por períodos de nojo e incompatibilidades. São opções diferenciadas de carreira que cada um deve tomar e assumir as suas consequências. A bem da transparência.
Por tudo isto não concordo e acho injusto e errado, do meu ponto de vista, o teor do artigo de Vicente Jorge Silva, “A política ‘clonizada’, DN, de 3-05-2006.
Se perguntarmos a qualquer profissional do sexo o que pensa sobre si própria, tenho a certeza que ela dirá que é séria, fiel, com fortes regras éticas e morais de conduta. E é. Com sorte, até será virgem. Culpa dos cirurgiões plásticos.