sexta-feira, abril 14, 2006

Os comboios da minha felicidade.



14 de Abril de 2006

Sempre gostei de andar de comboio. Era pequeno, e lembro-me, ao entardecer, de estar debruçado sobre a janela de madeira, de guilhotina, dentro da minha carruagem. Na placa era a azáfama dos carregadores, das famílias, a entrarem para o comboio, prestes a partir para uma viagem longa, com uma noite pelo meio. Adorava os beliches que caíam da parede da cabine, o cheiro do carvão, o “pouca terra, pouca gente, pouca terra” e o “uu, uu, piii…”. Ficava com os olhos vermelhos e evitava as fagulhas e poeiras cuspidas pela máquina. Os pequenos-almoços fascinavam-me. Os ovos estrelados, o bacon, o café com leite, acompanhados por uma soberba e húmida paisagem de floresta. Por vezes, os macacos apareciam. Os empregados, fardados, imaculados, serviam-nos com entrega. Nas estações, os autóctones, as vendedeiras, embrulhadas em panos, com cestos à cabeça ou poisados no chão, assomavam às janelas as galinhas, as rolas, os coelhos, as melancias, as mangas, os maboques, os molhos de uns paus para escovar os dentes, que procuravam vender. Tinha 9 anos.
Voltei ao mesmo local onde, junto ao aeroporto do Lobito, com 14 anos, senti a parar o comboio que me ajudava a fugir à guerra. Era noite, quando tropas da UNITA forçaram a paragem e se ouviram tiros. Nós, miúdos, não tínhamos a noção do perigo iminente. Agachados, com as luzes cortadas, aguardávamos. De repente, o comboio seguiu caminho, até Nova Lisboa. Mas voltei ao mangal, com menos flamingos, e vi um comboio com pessoas empoleiradas nas coberturas das carruagens.

Estava na tropa, quando decidi ir à Guarda visitar uns familiares. Foi uma viagem longa e cansativa. Parto de Santa Apolónia e, chegado a Coimbra, desço na estação errada. Encontro outro magala com o mesmo problema. Convence-me a apanhar um táxi até à próxima estação para reentrar no comboio. Gastei quase todo o dinheiro que tinha, numa corrida para nada. Tinha perdido o comboio. O magala, então, com ar de quem sabia do que falava e o que fazia, diz-me para entrar no comboio, para sentar-me ao pé de uns emigrantes, caladinho, e deixar-me ir. Ele faria o mesmo, lá à frente, rumo a Vilar Formoso. Entrei. Cumprimentei os emigrantes e perguntei o que não devia. Solícitas, as senhoras logo chamaram o cobrador para me ajudar. Terminava assim a tentativa. Com o dinheiro que me restava comprei um bilhete em comboio de carga, com bancos de madeira, onde me recostei na mochila, até chegar ao destino, muitas horas depois.

As viagens de comboio contam-nos histórias. E a minha passou-se na quarta-feira passada. Eram 8h15, o dia estava radioso, com sol. Deixei o carro nas redondezas da estação de Cascais e, para chegar a horas a uma reunião, optei pelo comboio. Entro, sento-me e oiço uma agradável melodia de Verdi. As carruagens, limpas, estavam cheias de pessoas com ar bem disposto e arranjado. Gente de muitas origens, línguas e sotaques.
A composição arranca. O paredão acompanha-me, com o piso arranjado, regular e macio, com acabamentos em curso, aqui e ali. Prepara-se para receber a época balnear. Alguns felizardos correm e caminham nele pela manhã. Na viagem passo por casas, palacetes e jardins monumentais. Várias épocas e contrastes em diálogo. Passo ao lado da Colónia Balnear do Século. Que obras daquela grandeza e finalidade se fazem hoje em dia?
A viagem continua, cheia de luz e cor, e eis que chego a Belém, sem antes deixar de vislumbrar o integrado Centro Cultural de Belém. Tanta polémica para quê?
Dirijo-me, a pé, para a AIP, para a reunião das 9h30, que só começou às 10h30. Mas valeu a pena. Mobilizaram-se vontades, conjugaram-se objectivos e bom senso para, em parceria, fazermos uma história que em breve vos contarei.

domingo, abril 09, 2006

Afirmações fora de contexto

07-04-2006

Sérgio Ávila, presidente em exercício, estava inspirado ao afirmar: “Há um trabalho contínuo e constante que deve ser feito para que as regiões autónomas não sejam apenas faladas ou conhecidas quando alguém diz alguma coisa fora do contexto normal”.

Antes desta já tinha dito, “não pretendemos que os Açores sejam apenas um destino turístico, queremos, também, uma Região divulgada enquanto realidade consolidada no contexto nacional, em termos de desenvolvimento da sua autonomia”. Confesso que ando a tentar interpretar e compreender o alcance das afirmações do presidente. Mas passemos ao contexto e ambiente em que as mesmas foram proferidas, factores importantes para o exercício interpretativo. O presidente estava num encontro no Palácio de Sant’Ana, com 64 alunos e professores da Escola Básica 2,3 de Parafita. Estava perante jovens promessas, os seus respectivos educadores e com os profissionais da comunicação social por perto. Uma audiência mais do que qualificada para levar de volta a Matosinhos ou a Trás-os-Montes (não sei qual das Parafitas era ) o alerta do nosso presidente “ para a necessidade dos cidadãos portugueses, nomeadamente os jovens, terem consciência da importância do regime autonómico, para serem defensores da sua manutenção e aprofundamento.”
O que o presidente Sérgio Ávila quis dizer pode ter sido que ele e os seus colegas devem ter mais cuidado e tudo fazerem para não serem notícia pelo que digam fora do contexto normal. Talvez se referisse a declarações infelizes, reivindicações, etc. A questão é que o presidente substituto, Sérgio Ávila, fez as declarações nos Açores e não na Madeira. Não tenho dado por atitudes políticas ou declarações de políticos açorianos que pudessem ser consideradas fora de contexto ou abusivas. Antes pelo contrário, penso que o estilo da política madeirense não tem cabimento nos Açores.
Quanto aos Açores não serem apenas um destino turístico… O turismo, se correctamente entendido e desenvolvido, promove a divulgação de tudo o que de bom um povo e uma terra possuem, podem mostrar e oferecer: a sua capacidade empreendedora, a qualificação da sua mão de obra, a cultura, a história, a amabilidade do povo, o património, o bom ambiente, etc.
O turismo permite que os turistas levem uma síntese positiva dos Açores e das suas gentes para outras paragens. É a modalidade de excelência para a troca de experiências entre povos. Se o turista encontrar um povo que viva bem, que seja feliz, simpático, se não encontrar ilhas de pobreza e de miséria, será o primeiro a levar essa realidade consigo. Não há que recear afirmar a vocação turística dos Açores. Tal escolha é compatível e mesmo condição para o desenvolvimento social e económico da Região. Chegados aqui, penso que as palavras do presidente Sérgio Ávila fugiram ao contexto do seu pensamento e dos Açores. Melhor seria que tivesse poupado nas palavras, fugindo ao contexto, e acompanhasse os jovens numa visita pela ilha, para que constatassem o bem-estar da população, os progressos em curso e os proveitos da autonomia. Um passeio turístico valerá mais do que mil discursos oficiais. Nota Simplex: aqui vai uma sugestão para o nosso Primeiro, que fará os portugueses mais felizes e ricos. Mande as Brigadas de Trânsito da GNR reavaliar todos os sinais de trânsito deste País para corrigir o que está mal, colmatar as omissões e de uma vez por todas fazer-nos poupar dinheiro, nervos e tempo. Parece que quem sinaliza as nossas estradas e caminhos quer dar com os portugueses em tolinhos. Tão Simplex.

Tudo em cima da mesa

31-03-2006

A actualidade, em França, é marcada pelos protestos contra a precariedade do emprego.

É uma situação (uma tendência mundial) em que se contrapõem dinâmicas de mercado incompatíveis com a rigidez e imobilidade fictícia da mão-de-obra nas empresas e organizações. As realidades laborais e económicas mudaram. A reflexão e as soluções a adoptar prendem-se com a construção de mecanismos que permitam automaticamente aos trabalhadores garantirem as suas regalias presentes e futuras, operando dentro do mercado e na legalidade, num ambiente de flexibilidade de contratação. No fundo, o que é preciso, é libertar as amarras empresariais, criadas pela miragem dos empregos para toda a vida, e permitir sem complexos e complexidades que toda a retribuição da prestação do trabalho tenha a sua componente de investimento na assistência em caso de desemprego, doença e acidente, na formação continua e na reforma. A flexibilidade contratual deve conviver com um sistema prático de adesão imediata à segurança social, de contributo para a reforma, a obrigatoriedade de contrato, ainda que por um dia ou por uma hora. Só esta clarificação pode evitar que muitos prefiram correr os riscos de pagar e receber por fora, esquecendo direitos e deveres para com a sociedade, resolvendo o imediato, descurando o futuro, lesando a economia. À facilidade de contratação e de rescisão deverá corresponder um sistema mais prático e eficaz de contributo e defesa perante a doença, o acidente ou de contribuição para a reforma. Não vale a pena fechar os olhos à realidade. Há que facilitar a vida ao trabalhador e ajudá-lo a programar o futuro.
Os emigrantes ilegais
Em Portugal, a notícia do potencial repatriamento massivo de emigrantes portugueses, ilegais, no Canadá, preocupa-nos. A situação dramática em que se encontram os nossos emigrantes foi resultado da sua própria atitude perante as leis do Canadá, compreensível para quem procura dar o salto para uma vida melhor, correndo os riscos, mas ilegal. Posto isto, não podemos deixar de criticar governos, como o do Canadá, que permitiram a estas pessoas trabalhar durante anos e anos no país, constituir família e, de um dia para o outro, ignorando essa realidade, e tratando-os como marginais, sem humanidade, os descarta, sem apelo nem agravo. Estas duas situações, com o emprego não seu cerne, obrigam a que os políticos, estes ou uma nova geração de políticos, concebam formas de manter o emprego e as migrações às claras, dentro da legalidade, abrindo controladamente as suas fronteiras aos emigrantes, não mascarando os fenómenos. É que há um mercado fora do mercado, que influencia a economia, e cuja contribuição para o bem comum tem sido desperdiçada. Para falar claro: se o trabalho ilegal e o mercado paralelo entrassem na legalidade e contribuíssem para a segurança social, para os sistemas de assistência e para o Tesouro, sempre eram mais uns largos milhões que entravam no sistema. Prefiro ter menos turistas de mentira e mais migrantes de verdade, devidamente controlados e acompanhados e fora das garras da máfias e dos agentes económicos sem escrúpulos.
Carlos César
Comentou-se a possível remodelação no Governo dos Açores. Tudo parece ter começado pela afirmação da necessidade de uma nova geração de políticas e pela interpretação extensiva da mesma , “que a afirmação implicava novos governantes”. Do pouco que observei e conheci de Carlos César já deu para perceber que ele não manda avisar nem ameaça, faz. Quando César decidir, de certeza que todos saberão na hora. Uma das suas características é decidir e o seu sentido de Estado. O mal seria que não afirmasse, perante novos problemas, a necessidade de novas políticas. Já é tempo de perceberem o homem. Venham essas novas gerações de políticas.

Os autarcas deram um passo

24-03-2006

Os autarcas, através da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) juntaram-se à API (Agência Portuguesa de Investimento) e encomendaram um estudo e medidas concretas para combater a burocracia e algumas das barreiras que dificultam a vida aos investidores nas câmaras municipais.

Desta cooperação resultou o Investidor Mais, um estudo com recomendações e medidas concretas, realizado pelo consultora Deloitte. O estudo e as recomendações foram apresentados em conjunto com o Governo. Fernando Ruas, presidente da ANMP, afirmou que os autarcas deram um passo para permitir ganhos de eficiência, maior transparência, melhor atendimento dos investidores e um combate a algumas causas da corrupção na administração local. António Costa, ministro de Estado, agradeceu, concordou com o diagnóstico, com as medidas e afirmou que o Governo dará dois passos na mesma direcção e que aproveitará algumas das sugestões. O que acho importante nesta matéria é o facto de que a melhor maneira de fazer justiça ao trabalho desenvolvido pelos autarcas portugueses em 30 anos de poder local democrático, de demonstrar o seu elevado contributo para o bem-estar das populações e para o desenvolvimento do País, é com mais trabalho e atitudes positivas e proactivas como esta. O bom caminho é aquele em que, aos ataques fáceis e falaciosos de que os autarcas são corruptos, de que esbanjam dinheiros públicos, se responde com o exemplo e a liderança autárquica no combate às causas dos problemas. Liderar a agenda política, o Governo apresentará só para a semana o mesmo trabalho para a administração central e serviços públicos; liderar a agenda mediática, quando a ANMP lidera o combate à burocracia e à corrupção; liderar a agenda pública, quando a ANMP e os autarcas portugueses respondem aos anseios dos cidadãos-investidores e dos munícipes criando condições para atrair investimentos e criar empregos e riqueza. São os autarcas que dizem ao Governo nós estamos a fazer a nossa parte, façam o favor de legislar e tomar as medidas que só o Governo pode tomar para secundar o esforço dos autarcas. Este é o registo certo e proactivo para os autarcas. Mais do que se aterem a defender dos ataques, devem partir para a acção, antecipando a resolução dos problemas e retirando os argumentos aos que denigrem o poder local. Por exemplo, não pode a Administração Central impor aos municípios um quadro obrigatório de pessoal para autorizar a abertura de uma biblioteca municipal e, de seguida, acusarem-se os autarcas de aumentarem as despesas com pessoal. Mais bibliotecas, mais piscinas, mais equipamentos sociais precisam de pessoas para os abrirem e manterem. Esta acusação é mais uma interpretação distorcida da realidade. Obviamente que há que rentabilizar equipamentos públicos. Para isso os municípios devem associar-se e desenvolver equipamentos fazendo economias e aproveitamentos de escala. A cerimónia de apresentação do Investidor Mais, organizada pela ANMP, esteve concorrida, mais de 400 pessoas, entre autarcas, governantes, empresários, associações empresariais. Berta Cabral e Miguel Albuquerque, autarcas das ilhas, lá estavam na linha da frente a afirmar o empenho das suas autarquias neste processo de maior transparência e celeridade de procedimentos para captar investimentos e lidar com investidores. E que tal, senhores presidentes de câmara, durante a próxima semana, olharem para os diversos departamentos e verifiquem os tempos de espera, de resposta e de conclusão dos processos. Vejam o que pode terminar já hoje, para já hoje melhorar a vida dos cidadãos. Decerto irão encontrar prazos bolorentos, procedimentos inadequados e muita gente chateada. Continuem a liderar. Já agora sempre pela positiva.