domingo, fevereiro 26, 2006

O medo. A ignorância. A subserviência


24-02-2006


H á um medo que nos protege e é saudável. É o tipo de medo que nos mantém atentos e responsáveis.

O que nos prepara melhor para a execução de determinadas tarefas. É o medo amigo. Conhecemos a situação de perigo, a dimensão do desafio, e tomamos todas as medidas para vencer.
Há outro tipo de medo que resulta do desconhecimento. Da falta de controlo sobre as diversas variáveis do meio com o qual estamos a agir, da ausência de auto-domínio sobre nós próprios e as nossas capacidades. É o medo que paralisa ou nos descontrola, que provoca o pânico.
A ignorância é o vazio. É o estado daqueles que não têm conhecimentos e cultura em virtude da falta de estudo, de experiência ou prática. Ou, se quisermos, é um estado que pode também resultar de um amontoado de informação, desconexa, que por causa das características do seu portador ou utilizador se torna inútil e perniciosa. É lixo. A subserviência é uma atitude rastejante, que caracteriza os que perante a falta de objectivos, capacidade e visão estratégica se acomodam e não enfrentam.
Os dias que correm demonstram que o medo, a ignorância e a subserviência andam de mãos dadas. O caso das caricaturas é a face de um conflito entre dois modelos de sociedade e do relacionamento Estado/Religião. A violência, as ameaças e a nossa descoordenação demonstram que há medos. E todos temos medos porque não nos conhecemos o suficiente. Há uma ignorância bilateral habilmente aproveitada por líderes e negociantes.
A economia, o petróleo e os petrodólares fizeram-nos esquecer a história, a cultura e a necessidade de perceber aquela gente. Demos mesmo de barato e pactuamos com práticas e regimes que colocam em causa a pessoa humana e a sua dignidade. Recentemente aproveitámos a religião deles e utilizámo-la na luta contra o regime soviético. E agora, de repente, vemo-nos com o menino nas mãos. E são muitos e de muitas mães. E estão lá e cá. E nós cheios de medo, paralisados, porque não os conhecemos, não sabemos falar com eles, não conseguimos encontrar um ponto de encontro. E eles, ainda presos ao lado primário da religião, não nos conhecem e não sabem falar connosco. O medo e o pânico instalaram-se dentro da jaula. Nós e eles, sozinhos, todos cheios de medo. Muitas vezes subservientes e sem rumo.
Nota: A propósito de subserviências, ainda não percebi porque se substituiu na praça pública um cônsul. Foi apenas por causa e após a carta de um jornalista angolano a quem foi recusado um visto para Portugal? E nada se diz quanto às inúmeras horas e dias porque se esperava, até há pouco tempo, na Embaixada de Angola para se obter um visto. Tempo e dinheiro, dólares de preferência. Medo e subserviência.
Eduardo dos Santos e os actuais governantes de Angola têm de ser ajudados a garantir a alternância democrática e a colocar a sua permanência no Poder a juízo do povo. Já deram o seu contributo para a paz. Podem descansar e prestar outros serviços a Angola. Tal como Chissano, em Moçambique. E nós, evitando complacências conjunturais com ditaduras, regimes não democráticos e violadores dos direitos humanos, como no Irão, na Arábia Saudita, no Zaire, etc., cujo resultado ameaçador hoje se pode ver.

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

“A areia invadiu Portugal, a cabeça e o coração das pessoas.”




As nossas conversas começaram com uma entrevista que ele concedeu ao UNIVERSUS - Jornal das Universidades, de que era director. Após a publicação da entrevista recebo um cartão do Professor, datado de 27.3. de 1988. Dizia, _ Meu caro amigo, …queria ser assinante. Posso? A carta trazia um cheque do Lloyds Bank, de George Agostinho Baptista da Silva, no valor de mil escudos. Agostinho da Silva provocava, dizendo não possuir bilhete de identidade nem passar cheques.
Daí para a frente sucederam-se os encontros, as conversas em sua casa, os amigos que ele me mandava, as cartas e os bilhetes, dactilografadas ou manuscritos numa escrita difícil. Conversas que misturavam pessoas de várias nações, especialidades, profissões e também gatos, que passeavam por cima da secretária do professor ou passavam atrás das nossas cabeças, no sofá.
Recordo-me, de certo dia ter ido aconselhar-me com Agostinho da Silva sobre a minha participação, como moderador, num debate na Faculdade de Direito de Lisboa, cujo tema era a Queda do Muro de Berlim e o desmoronar dos regimes comunistas.
_ Sabe, amigo Tocha, o problema foi quando a Raiza Gorbatchov regressou de uma viagem ao Ocidente e não tinha sabão cheiroso para tomar o seu duche. Aí começou a pressionar o marido… O resto foi acontecendo.
Noutra ocasião, regozijava-se pelo facto de Salazar o ter impedido de continuar a ensinar na Universidade Portuguesa. Fecharam-me uma porta e abriram-me a possibilidade de poder ir para o Brasil e por esse Mundo conhecer novas pessoas e criar.
Várias vezes, durante as nossas conversas, em sua casa, tocava o telefone e, perante a pausa que eu fazia na conversa, ele prontamente me dizia _ continue, pois você veio cá, está primeiro, quem telefona pode esperar.
Era um homem que aproveitava as contrariedades e fatalidades para partir para outra, rapidamente. Se ficava imobilizado por ter partido uma perna logo se ocupava a aprender mais uma língua estrangeira. Era a arte da bolina, que pega nos ventos contra e
os faz empurrar-nos para a frente.
Certo dia, entrevistei-o, e na transcrição troquei o nome de uma figura histórica. Ele, amavelmente, me agradeceu a entrevista e dizendo que tudo estava bem, apenas me advertiu para o facto de achar que, o IV é que ficou triste de ser João e não Afonso - o filho de D. Dinis. Isto a propósito de uma afirmação em que ele dizia que o D. Afonso IV uma das coisas que fez foi cortar árvores do Pinhal de Leiria para fazer navios. Que o Pinhal de Leiria foi plantado por D. Dinis para a areia não invadir Portugal. A areia, porque foi derrubada a mata, invadiu Portugal, a cabeça e o coração das pessoas. Do que se trata é de replantar o Pinhal de Leiria, preservar Portugal de tal maneira que as pessoas se vejam livres da areia e possam restaurar, reinstaurar a cultura portuguesa.

Olhava para ele e sentia-me na presença de um Mestre, sereno, que nos ajudava a encontrar uma razão para vivermos fazendo o bem a nós próprios e ao próximo.
Estou eternamente grato pelo dia em que chegou aquele pedido para começarmos a nossa amizade. Guardo o cheque, as cartas e os cartões individuais e colectivos que ele trocava comigo e com mais um punhado de pessoas.
E assim Agostinho desviou-me da análise sobre a actual crise das caricaturas. E talvez não. Ao invocá-lo, encontro uma explicação: o medo, a ignorância e a submissão são as causas do que está a suceder. Há muita areia nas cabeças de todos nós, cá e lá, que nos tolhe a visão e o alcance, fazendo-nos inseguros e agressivos. Combatam aquelas causas e tudo será melhor.
Há pessoas assim. Que nos marcam para sempre.

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

A empregabilidade é a nossa liberdade

http://www.bozzetto.com/freedom.htm

Há uma oportunidade para que a bandeira da liberdade seja erguida novamente pelos trabalhadores.
É isso mesmo o que eu penso. Quantas vezes damos connosco a ouvir os sindicatos e os sindicalistas e a não entender o que defendem, para além da guerrilha de números, de percentagens de aumento, que se traduzem, muitas vezes, num bálsamo temporário para o sofrimento de cidadãos a caminho do desemprego ou já mergulhados nessa triste e traumatizante realidade.
Mas, como mais importante do que oferecer peixe é ensinar a pescar, acho que há uma nova exigência em termos de liberdade que deve ser defendida por todos.
Um trabalhador sem qualificações é um cidadão diminuído face à entidade patronal. Como não tem mobilidade potencial no emprego sujeita-se ao arbítrio e às regras selvagens do mercado. Um jovem à procura do primeiro emprego, com uma formação desadequada às necessidades do mercado de trabalho, é um jovem diminuído e que rapidamente verá as suas potencialidades desaproveitadas e terá de aceitar o que lhe aparecer.
Há que criar condições para que os cidadãos trabalhadores fortaleçam a sua capacidade de negociar, de mobilidade, de procurarem um trabalho adequado às suas vocações.
Há que introduzir mecanismos de formação continuada que permitam aos trabalhadores não ficarem reféns das rápidas mutações do mercado nacional e internacional.O conceito de empregabilidade, se materializado, é a nova carta de alforria dos cidadãos-trabalhadores.
Já não faz sentido remar contra a maré e lutar pela manutenção artificial de postos de trabalho. É uma inutilidade. O que faz sentido, e é urgente, é garantir aos cidadãos uma formação comportamental e técnica que lhes permita adaptarem-se mais facilmente às mudanças ou, por opção pessoal e de acordo com o seu projecto de vida e de carreira, procurarem novas ocupações.
Há, do meu ponto de vista, áreas de formação pessoal que são a chave deste novo patamar de liberdade individual e profissional.
Ao nível comportamental, aspectos como a atitude, a iniciativa, a gestão do tempo, o traçar de objectivos, o saber lidar com objecções e contrariedades, são, entre outros, aspectos que devem ser acautelados desde a formação inicial dos jovens. A posteriori, os que já estão no mercado devem ter a possibilidade de adquirirem estas metodologias de desenvolvimento pessoal.
Ao nível mais técnico, os cidadãos devem, desde tenra idade, ser preparados para que algumas áreas sejam uma normalidade no seu currículo escolar e extra-curricular. As línguas estrangeiras, o cálculo matemático, a história universal, as ciências.
No plano da cidadania, seria importante munir os cidadãos de hábitos de cidadania e participação.
Bom, então o que falta mudar? O ensino, desde pequeninos. O ensino, tornando-o aberto ao sistema de “self service” de novas competências para que a formação contínua seja uma realidade prática e menos burocrática e de difícil acesso.
Os sindicatos devem levantar a bandeira da liberdade pessoal e profissional dos trabalhadores como prioridade máxima, lutando e exigindo das empresas e dos governos, ou substituindo-se a eles, o aperfeiçoamento dos cidadãos-trabalhadores.
É uma mudança de atitude difícil, de ganhos de médio prazo, mas que garantirá aos sindicatos um lugar central na vida profissional dos cidadãos. É urgente que os sindicatos nunca percam o sentido de utilidade efectiva da sua missão, insubstituível, nos tempos que correm.

domingo, fevereiro 05, 2006

Convém não ficares a falar sozinho.




“ Concordo com quase tudo o que escreves: está a acontecer uma mudança de paradigma político e poucos já o perceberam. A política pragmática vai substituir os debates ideológicos. E a personalidade dos políticos será cada vez mais determinante, bem como a clareza das suas propostas.
Mas deixo-te uma proposta de reflexão: será que a primazia da personalidade sobre os partidos e o pragmatismo (que se aproxima da simplificação redutora) das propostas não aumentará o território da demagogia? Este é o grande desafio político dos próximos anos…”
Ricardo Jorge Pinto


No seguimento de meu último artigo, e perante o comentário de um amigo e especialista em jornalismo político e comunicação política, irei tentar reflectir sobre o novo paradigma político, o pragmatismo, a personalidade dos políticos, como factor distintivo e de atracção de apoios, e o perigo da demagogia.
Há, sem dúvida, um novo paradigma político, um modelo de intervenção que se vira cada vez mais para a resposta às questões concretas. Os políticos mais bem sucedidos são aqueles que incorporam no seu discurso e prática política os anseios reais das populações. São os que conseguem aproximar as suas propostas da satisfação desejada pelos cidadãos. É um fenómeno de adequação ao mercado, fruto de um melhor conhecimento do mercado e de cada consumidor eleitor. Será pernicioso para o sistema virar as políticas para as respostas às necessidades dos cidadãos? Não me parece. Vejo nisso um aumento da utilidade da política.
A importância da personalidade dos políticos, com todos os atributos para ela concorrentes, do carisma, da liderança, da confiança, da competência, da identificação, da simpatia, do discurso e da imagem, é uma decorrência da necessidade que os projectos têm de ser transportados e defendidos por líderes. É um juízo do tipo - gosto do político tal, ele inspira-me confiança, tem capacidade para colocar em prática o que defende, e diz coisas com as quais me identifico. Para além dos perigos de vazios posteriores nos momentos de substituição de lideranças, este fenómeno trás a vantagem de maior responsabilização da liderança.
Líderes com personalidade e pragmáticos podem significar a cedência à demagogia?
A demagogia significa a falta de sentido de Estado, o desrespeito pelos cidadãos e conduz a uma política condenada ao fracasso, pois não permite pensamento e acção estratégicos, virados para o desenvolvimento e para o bem comum. As soluções conjunturais sobrepõem-se às políticas estruturantes e às decisões de fundo e estas convivem mal com políticas de satisfação conjuntural de clientelas mais ou menos alargadas de cidadãos. Agradar a todos é uma missão impossível em política, face à escassez de recursos e aos interesses contraditórios dos cidadãos.
O que se pede hoje aos partidos e aos políticos?
Uma nova forma de pensar a política, renovando-se constantemente em função dos tempos e das novas necessidades dos cidadãos. A organização dos políticos tem de reformular os mecanismos de relação com os cidadãos, conseguir produzir projectos e programas políticos que se identifiquem com os seus destinatários.
Como podem os partidos políticos, como forma de organização política, serem preteridos pela força crescente dos líderes?
Para que isso não suceda têm de resolver questões de proximidade, de inserção social, de imagem de marca, de actualização de programas e práticas, de canais de troca de informação com os seus públicos-alvo.
A proximidade é um factor essencial para que os cidadãos percebam a utilidade das organizações políticas e vejam nas representações políticas veículos da sua vontade e do mandato.
A inserção social prende-se com a rede de apoios que os projectos e programas devem conseguir junto de um número alargado de cidadãos que se vejam representados e parte integrante da organização, como militantes, simpatizantes ou simplesmente eleitores.
A imagem de marca, tão necessária à definição de um território eleitoral e fortalecimento de fronteiras, implica a utilização de todas as disciplinas da comunicação que tornem a marca percebida o mais próximo da imagem de marca desejada, permitindo um controlo total dos sinais emitidos, evitando as distorções dos portadores não controlados. Os sinais emitidos através dos jornalistas são menos controláveis do que os sinais emitidos pela comunicação publicitária e por outras técnicas de comunicação. A credibilidade conferida pela mensagem intermediada pelos jornalistas deve ser compensada pelo maior controlo sobre a mesma que é permitida pela publicidade e o contacto directo. Os problemas surgem na linguagem excessivamente comercial e publicitária que não pode contaminar a mensagem política. Os programas devem concitar a adesão do maior número possível dos cidadãos.
A grande questão prende-se com os canais de distribuição e recolha de informação em que factores como custos e eficiência devem caminhar a par da inovação e da criatividade. Canais de distribuição, na medida em que a comunicação flúi, vai e vem, por diversos canais. Já foram sinais de fumo, hoje são bites. O que permanece é o homem, neste caso, os homens. Para não ficarmos a falar sozinhos.
Por fim como combater a abstenção eleitoral e dinamizar a participação cívica?
É um processo de aperfeiçoamento do sistema, que deve começar na educação esclarecida para a cidadania e participação e que deverá ser levada a cabo a nível local e nacional.
O recrutamento e ascensão de quadros políticos deve conquistar cidadãos e premiar a sua ascensão em função de critérios que se não resumam a caciquismos e jogos de aparelho que funcionam em circuito fechado, cada vez mais sobre sí próprios, mais distantes dos cidadãos.
Por fim, o exercício da política e de funções públicas, deve ser objecto da difícil criação de mecanismos de maior confiança e destruir os becos de dúvida, ilegitimidade, dando prioridade a regras claras e transparentes do exercício do poder. Mais do que fortes medidas sancionatórias, à posteriori, reagindo à falência do sistema, a democracia e o sistema político necessitam de mecanismos de transparência.