sexta-feira, janeiro 27, 2006

Esquerda, direita, esquerda, direita, volver





Os portugueses andam preocupados com o emprego, com a carteira, com o pão, com a roupa, com a água, com a gasolina, com a escola, com a doença, com a reforma, com a segurança. Penso que este é um facto inquestionável.

Os políticos, por seu lado, andam preocupados com a esquerda e com a direita. Discutem golpes de Estado constitucionais e falam de mais Estado e menos Estado. Perdem-se na arquitectura do sistema político.
Os jornalistas políticos e os comentadores descobrem derrotas à esquerda.
E vaticinam mortes políticas. Diagnosticam tácticas de neutralização de figuras políticas.
Eu acho que estamos perante duas ou três situações muito simples.
Os portugueses querem que os seus governantes criem as condições necessárias para que a sua vida melhore. Querem políticas de emprego. Desejam políticas de educação que formem e garantam maior empregabilidade* aos cidadãos e não sustentem artificialmente o emprego. Queremos líderes que indiquem caminhos, dêem pistas para a nossa realização individual e colectiva. Os portugueses apoiam e concordam com dirigentes credíveis, que lhes inspirem confiança, energia, que julguem capazes de construir um projecto colectivo positivo e com futuro. Em termos simples, querem trabalhar e ganhar dinheiro para viver com qualidade de vida. Desejam uma escola de qualidade para os seus filhos.
Querem acreditar que o futuro será compensador face aos sacrifícios do presente. Procuram segurança e estabilidade. Aspiram a conseguir os bens materiais e espirituais que consideram necessários para o seu bem-estar.
O que as eleições autárquicas e as presidenciais tornam mais evidente é que já não se conquista o apoio dos cidadãos com ideologias de outros tempos, com discursos catalogados de direita ou de esquerda ou apenas com as cores partidárias.
O desafio está lançado. Os partidos portugueses devem repensar novas formas de posicionamento junto dos cidadãos ou, o mais correcto, do mercado eleitoral. As características diferenciadoras, hoje, estão mais ligadas à resposta aos problemas quotidianos dos cidadãos.
A força de atracção eleitoral está cada vez mais ligada à capacidade que os líderes e as suas equipas tenham para demonstrar que têm um projecto de progresso, uma receita de solução de problemas concretos, uma vontade e determinação inabalável na defesa das suas soluções.
O que se pede aos políticos de hoje são soluções criativas para a criação de emprego. O que se pede é um sistema de ensino que não engane pais e filhos numa formação que não serve para nada. O que os cidadãos imploram é que as receitas dos impostos sejam aplicadas em políticas construtivas e que o Estado seja exemplar na aplicação reprodutiva do dinheiro de todos nós.
Para concluir, acho que cada vez mais os atributos pessoais, o perfil e a atitude dos candidatos políticos são preponderantes na capacidade de mobilização dos cidadãos. Outro factor determi- nante é a existência de uma ideia e de um projecto mobilizador. Por fim, realço a importância da capacidade de ler, em cada momento, as necessidades e preocupações dos cidadãos e de responder-lhes através de um discurso coerente e actual.
Estas são as razões que fizeram, em grande medida, as vitórias dos presidentes das regiões autónomas, de muitas autarquias, de José Sócrates e, agora, de Cavaco Silva. O fenómeno Alegre significa apenas uma resposta de cidadãos e de algumas elites a uma situação considerada injusta e politicamente mal resolvida, aliada à concordância com uma postura e discurso anti-aparelhismo. Nada mais do que isto. Enganado andará quem quiser tirar outro significado dos resultados obtidos pelo político Alegre.
Quer isto significar a apologia do pragmatismo político? Em parte sim.
Mas esta atitude não afasta a necessidade de políticos bem preparados, conhecedores da História e do passado das ideias, dos sistemas políticos, da filosofia, da economia, das diferentes disciplinas que concorrem para a governação das nações. Esta é uma condição para governar com sabedoria, coerência e determinação.
*Nota: Entendo a expressão empregabilidade, por oposição a emprego certo e para a vida, como a capacidade que cada pessoa tem de mudar de emprego, fruto da sua formação de base e contínua, da experiência e do desenvolvimento de capacidades que lhe permitam adaptar-se às mudanças do mercado e aos avanços tecnológicos.

sexta-feira, janeiro 20, 2006

A mulher-a-dias já não me atende o telefone*



Passei no Terreiro do Paço e reparo em António Costa de braço dado com Ascenso Simões, seu secretário de Estado, numa conversa animada.
Atrás, seguia uma senhora, tirando notas. Prossegui o meu caminho e, mais à frente, vejo que Alberto Costa andava num vaivém, com um secretário de Estado de cada lado, e um rapazito, mais atrás, que carregava com uma quantidade de dossiers. Deve ser coincidência. Continuei e, no Largo Camões, encontro, de cigarro ao canto da boca, Manuel Pinho e os seus secretários de Estado, acompanhados pelos respectivos assessores, a descerem em direcção ao Chiado. A conversa devia ser interessante. O ministro, pensativo, ouvia com atenção os seus interlocutores. Que estranha coincidência, três ministros na rua com as suas equipas. Subi ao Príncipe Real e vejo, no jardim, um grupo de Juízes do Tribunal Constitucional, numa roda, cheios de calhamaços debaixo do braço, ocupados numa acesa conversa.
Mau, mau. Isto já não me parece nada normal. É muito poder na rua e no mesmo dia.
Desci a rua, rumo a S. Bento e, para meu espanto, dou de caras com Jaime Gama e os seus vice-presidentes da Assembleia da República, todos atarefados a tomar notas e a escrevinhar umas papeladas.
Vou, curioso em direcção à São Bernardo e, logo na esquina, José Sócrates era seguido por uma comitiva de assessores, guarda-costas, cheios de pastas, computadores pessoais.
O nosso primeiro gesticulava e parecia dar as suas instruções, a que, sem mexer os lábios, anuíam os que o rodeavam.
Algo de estranho se passa neste País e com os nossos governantes e titulares de órgãos de soberania, pensei, intrigado.
Eram 15h00, e fui esperar um amigo ao aeroporto. Estava na zona das chegadas quando reparo que Carlos César, o presidente do Governo Regional dos Açores, acabado de chegar, recusa entrar no carro, já com as portas abertas pelo motorista, e segue, a pé, em direcção à cidade, acompanhado por dois secretários regionais e um deputado dos Açores na Assembleia da República.
Cumprimento o meu amigo recém-chegado e seguimos para Belém, pois este amigo queria comprar os famosos pastéis de nata. Qual não é o meu espanto, quando chegado a Belém, deparo com Jorge Sampaio nos jardins fronteiriços ao Palácio a esbracejar com Souto Moura. Telefono para alguns amigos, a quem conto o que presenciei durante todo o dia. Começámos a conjecturar sobre o significado de tanto político na rua.
Avanço com a primeira possibilidade: deve ser uma nova forma de exercício do poder. Uma inovadora metodologia de gestão aplicada à coisa pública que é gerir andando pelas ruas, ouvindo e cumprimentando o povo, à vista de todos. Uma original forma de ouvir e nada esconder do povo, fazendo tudo às claras.
Mas o meu amigo não aceitou a interpretação. Diz-me que deve ser uma maneira dos governantes combaterem a inacção e o colesterol, garantindo, desse modo, um perfeito estado de saúde e sanidade mental: corpo são, mente sã. Podia ser. Mas não aceito. Era mais fácil contratar um treinador pessoal para cada gabinete, colocar uma passadeira rolante e o assunto estaria resolvido.
Lembrei-me que alguns edifícios estão doentes. É isso. Eles estão a fugir ao amianto utilizado na construção dos edifícios. Nada melhor do que despachar na rua, respirando ar livre de substâncias cancerígenas. Rapidamente o meu amigo me recordou que à data da construção dos edifícios em causa não utilizavam aquele material nocivo à saúde.
De repente, fez-se luz. Vou telefonar e perguntar a um motorista da presidência do Conselho se ele sabe o que se passa com os governantes.
Telefonei ao António Passo os Dias a Guiar e a resposta foi imediata - É por causa dos telefones.
-Dos telefones… Mas não há cobertura dentro dos edifícios?
- Não é nada disso, são as escutas. Os nossos governantes e políticos, a partir de agora passam a trabalhar na rua. Assim estão ao abrigo das escutas telefónicas. Já agora, se quiser saber mais pormenores, podemos falar pessoalmente no Jardim da Estrela. Muito bem António, estou esclarecido. Obrigado.
E eu a pensar que era uma inovadora forma de gerir caminhando pelos corredores, neste caso pelas ruas. Como pude esperar tal avanço nos métodos de gestão.

* Esta crónica é uma ficção e não corresponde à realidade. Os nomes em causa foram abusivamente utilizados por mim para retratar o irreal do dia a dia em que vivemos.

Nota: Segundo notícia do último Expresso, Bill Gates vai investir na formação de mulheres desempregadas do Vale do Ave, Norte de Portugal, em noções básicas de informática. Ele sabe que apenas 20% do esforço investido interessam para obtermos os resultados que procuramos. Destes 20%, ele dedicou 20% à Informática, obviamente, para ele e para elas. Gostava de saber em que pensa investir o nosso Governo para preencher os restantes 80% dos 20%, para que se cumpra a célebre Lei 80/20 de Pareto.

sexta-feira, janeiro 13, 2006

Ventos à solta, tempestades à vista


Não me parece muito difícil adivinhar que vêm aí tempos de turbulência para o Partido Socialista.

O que está para vir acontecerá, independentemente dos resultados nas presidenciais. Os traços anunciados da crise que aí vem começaram a ganhar contornos com a candidatura de Manuel Alegre à liderança do PS. O resultado de Alegre e a derrota da família Soares na luta interna socialista reforçaram a diferenciação política daquele face ao passado e à nova direcção. É notória, para além das tentativas de aproximação de Sócrates a Alegre, para consumo externo, a atitude de afirmação crescente das ambições de Alegre. Acho que fora de tempo ou do seu tempo. Com a falta de estratégia presidencial, o vazio deixado pela actual direcção do PS e os sinais de hesitação vindos a público, Alegre avançou e marcou definitivamente a sua discordância quanto à actual direcção do PS.
Como é bom de ver, Alegre tem à sua volta figuras importantes do PS, consegue apoios de militantes do PS e ainda congrega simpatias fora da área de influência do PS. Isto é um facto. Alegre está sentido com o seu partido e com a actual direcção. Outro facto. Alegre protagoniza uma ânsia de intervenção política que o levará, após estas eleições, a clarificar território político dentro e fora do PS. Esperemos para ver como o PS vai aguentar as turbulências que se avizinham.
Mais ventos
Há oportunidades únicas para dar sinais fortes aos cidadãos e fazê-los acreditar na política e nos políticos, como a arte de governar em prol do bem comum. O caso Pina Moura é um triste exemplo do que não deve ser permitido em Política. Um político não pode ir ao Governo arranjar contactos, conhecer informação privilegiada sobre determinados sectores da sua tutela ou ventilados em Conselho de Ministros, estranhos à sua actividade anterior enquanto militante do PCP, economista, assistente universitário, colaborador de José Luís Judas na Câmara de Cascais, e por aí adiante na rota ascendente, até ter chegado à cabeceira de Guterres, para após a saída do Executivo entrar profissionalmente nos sectores que tutelou. Mas, o mais grave é o facto de se manter deputado, acedendo aos círculos do poder e a informação privilegiada enquanto dirige negócios numa empresa que interfere em sectores estratégicos vitais da nossa economia. Em boa verdade não me custa nada a crer que existam actualmente outras situações de legitimidade duvidosa, com outros políticos, que compatibilizam cargos de deputados com actividades profissionais em diversas empresas, instituições públicas ou privadas. Tudo é possível neste país.
Penso que a classe política anda a semear ventos que levam a que os cidadãos se revoltem contra estes sinais de promiscuidade.
Paguem mais
Defendo por isso que os cargos políticos devam ser muito bem remunerados. Acho que para termos políticos profissionais as suas funções deveriam ser das mais bem pagas. Isto faria aumentar a concorrência a esses cargos, os melhores estariam ansiosos por alcançar tal dignidade e privilégio. Mas o dinheiro e as regalias não resolveriam tudo.
Era necessário que a lei fosse clara, os dirigentes dos diversos partidos fossem suficientemente categóricos e inflexíveis na aprovação de algumas regras simples: coragem para aumentar os vencimentos dos políticos, às claras; política em exclusivo e dedicação total; não acumulação de mandatos políticos noutros órgãos; escrutínio rigoroso do património e fontes de receita dos candidatos a políticos; controlo rigoroso dos sinais exteriores de riqueza após cessação de funções; período de nojo obrigatório durante 5 anos ou o tempo necessário para que não se tirem proveitos da informação e contactos estabelecidos durante o exercício de cargos políticos e públicos;
M as isto não chega, dirão os meus queridos leitores. O resto tem a ver com o berço, a formação integral das pessoas e dos cidadãos e com os valores que lhes são incutidos na família, na escola e pelo exemplo dos que os antecedem no exercício de cargos políticos e públicos.
Se, depois de bem pagos e dignificados prevaricarem, rua ou cadeia com eles. Sob pena de estarmos a semear ventos para colher tempestades.
Nota: Também a clarificação das actividades de representação de interesses e o conhecimento dos seus agentes deveria ser um caminho para colocar em cima da mesa uma actividade que existe, que representa algum valor económico, mas que ao contrário do que se passa em alguns países em Portugal é tratada como inexistente.

quinta-feira, janeiro 12, 2006

O melhor pôr do Sol do Mundo.


Veja o lugar onde podemos assistir a um final de tarde inesquecivel. É um local sem igual. Um ambiente que nos coloca em sintonia com as forças da terra e do universo. Esquecemo-nos, por momentos, de nós próprios. Evadimo-nos pelo espaço, numa viagem pela paisagem, com imagens, cheiros e um silêncio rico de energia.
Foi uma experiência que vivi há muito tempo. Nunca mais esqueci o que senti naquele dia, naquela tarde, depois, uma música de Mozart fechou, magnífica e de forma superior, a despedida do Astro Rei.
Monsaraz, uma Estalagem única.

Não basta ser “in”, é preciso estar “on”


Votar é a expressão máxima da participação cívica. É uma característica insubstituível da democracia. Sem eleições secretas, universais e livres não há liberdade nem democracia. Mas a participação cívica é muito mais do que o simples exercício do voto e a democracia exige mais dos cidadãos e dos governantes.
Aprofundar a democracia e a participação cívica é dialogar com os cidadãos, é manter os cidadãos informados, é criar condições para que as liberdades se aprofundem. Só há democracia plena quando as liberdades básicas estejam garantidas. Opinião, educação, saúde, mercado, livre escolha, segurança, e informação são alguns aspectos que sustentam liberdades sem as quais um ser humano não é verdadeiramente livre. Por exemplo, se os nossos jovens não tiverem um sistema de ensino adequado estamos a colocar a sua liberdade e realização como pessoas em causa. Não partem para a vida nas mesmas circunstâncias que os demais. O mesmo se não tivermos saúde, direito a expressar a nossa opinião ou, se por razões diversas, não conseguirmos arranjar emprego e vivermos em insegurança. Serve isto para deixar bem claro que a democracia não se materializa apenas pelas leis mas é um exercício diário e dinâmico.
Para aumentar a participação cívica os políticos podem fazer um pouco mais. No que diz respeito ao combate à abstenção eleitoral há algo que me parece estar ao alcance dos políticos. As tecnologias já permitem dar passos seguros para facilitar o exercício de voto a todos os cidadãos. Hoje é possível, com máxima segurança, possibilitar a um cidadão recenseado nos Açores o exercício do seu direito de votar em qualquer parte do país. Direi mais, já é possível hoje exercer com a máxima segurança o direito de voto a partir de nossa casa, recorrendo a um terminal Multibanco ou com o auxílio de um telemóvel.
Vivemos na sociedade global, na chamada sociedade da informação, onde as novas tecnologias da informação nos permitem pagar contas da água, da luz, da cresce dos nossos filhos, e resolver os nossos problemas via Internet e através ligações por cabo óptico, com maior segurança do que andar na rua com um saco cheio dinheiro.

Estou convicto que uma parte substancial da abstenção poderia ser anulada pela simples tarefa de tornar o acto de votar mais simples. Simplificando o sistema actual, permitindo a votação em qualquer assembleia de voto do país. Introduzindo novas e seguras tecnologias de votação. Só temos de criar mecanismos, redes de distribuição, que permitam fazer chegar este bem a todos os cidadãos de forma mais cómoda e segura. Há apenas um pequeno constrangimento, aparente, à utilização das novas tecnologias e que tem a ver com uma das liberdades que retarda o nosso desenvolvimento: a educação.

Mas as tecnologias, por si só, não anulam o afastamento entre os cidadãos e a política. Aos políticos cabe outra tarefa. Tornar a vida dos cidadãos mais fácil. E aí há que fazer um grande esforço nacional para eliminar tudo aquilo que não faz falta na administração pública e nas suas repartições. Há problemas que se resolvem apenas com vontade política e bom senso. Para outros problemas basta analisar o que foi feito ao nível de simplificação de procedimentos inúteis no sector privado, nas empresas de maior sucesso mundial. Por fim precisamos de colocar em utilização uma nova geração de novas tecnologias e de conhecimentos que nos permitam resolver os problemas de forma fácil, eliminando papéis desnecessários, poupando-nos os périplos por infindáveis repartições, numa palavra: desmaterializando os procedimentos.
O tempo é um bem precioso e raro a que temos direito e não o devemos desperdiçar. Os políticos têm a obrigação de gerir melhor o tempo que perdemos na administração e repartições públicas. Por outro lado, o acesso à informação sobre as actividades dos políticos que afectam a nossa vida e o nosso futuro deve ser fácil e pública. O diálogo com eles deve ser permanente, recorrendo novamente às novas tecnologias da informação.

Para aumentar a participação e satisfação dos cidadãos na vida pública já não é preciso que os políticos estejam “in”, mas que estejam “on”. Portugal tem de passar a estar “ON”, como afirmou Durão Barroso.

Abril nas ilhas


Vivi Abril com 14 anos de idade. Foi um somar de experiências, um crescendo de consciência que um jovem como eu foi tendo desde então. Senti o grito de liberdade em Angola. Vivi as contradições que a Liberdade causou, obrigando ao recomeço de vidas. Vi, mas não percebia, porque a Liberdade se fez acompanhar de algumas injustiças, fruto de outras tantas acumuladas ao longo de anos e anos, o que já percebo hoje.
Na Madeira, assisti aos primeiros passos da Autonomia. De longe acompanhei os anseios dos açorianos no mesmo caminho pela busca da plena condição de cidadãos.
O que ontem eram reivindicações, nalguns casos radicalizadas, hoje são certezas dentro de uma normalidade legal e constitucional.
Extensões universitárias nas ilhas, Universidades da Madeira e dos Açores. Passagem de competências governativas para órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, regionalização de Finanças Locais e de serviços, hino e bandeira próprios de cada Região, entre outras aspirações tornadas realidade.
Aos poucos tudo se foi cumprindo no verdadeiro espírito de Abril.

Mas o mais importante para quem revisita as regiões autónomas é o ambiente de progresso e desenvolvimento que salta à vista. A Madeira e os Açores de 74 nada têm a ver com a realidade actual. O mesmo se pode dizer do País inteiro. O acesso ao ensino, aos padrões aceitáveis de qualidade de vida e bem-estar, aos cuidados de saúde, a par da assunção da capacidade de auto-governo é um dado adquirido e consensual.

Mas Abril é um programa que não tem fim. É uma caminhada na realização plena do homem nos aspectos mais elevados da sua dignidade como pessoa. Há novas metas, novos sonhos, novos desafios.

O que em 74 pareciam conquistas estáveis, hoje são lutas permanentes pela igualdade de oportunidades, pelo respeito de das capacidades diferenciadas de cada um. Hoje a globalização, a sociedade da informação e do conhecimento exigem a actualização de Abril e das suas metas.
Já não bastam as liberdades formais, vertidas em papel. A educação para a vida activa ganhou novos parâmetros de exigência. O respeito pelos mais velhos, pelas mulheres, pelos desempregados e desfavorecidos obrigam a novas políticas e a uma nova geração de políticos mais preparados.
A sociedade civil, e todos nós, enquanto parte integrante dela, temos de aprender a associar-nos para os pequenos e grandes desafios da actualidade. Bem sei que noutros países este espírito de associação, de trabalho em organizações sem fins lucrativos mas que geram riqueza, já deu muitos e firmes passos, tão bem descritos em Tocqueville ou, mais nos nossos dias, por Peter Drucker. Quando os americanos querem fazer algo grandioso e importante ou ínfimo são capazes de se unirem ao redor de uma associação, explica-nos o primeiro, no seu retrato sobre a Democracia na América. Já Drucker discorre sobre a importância para o bem comum dos bons exemplos das organizações sem fins lucrativos, não menos exigentes do que as empresas.

É patente que a experiência política autonómica madeirense e açoriana têm traços de personalidade diferentes. A história moldou as duas regiões de forma diferenciada mas, na essência, Abril está a cumprir-se em ambos os territórios regionais.

Os Açores e a Madeira são espaços de vivência democrática onde o seus governos procuram agora enfrentar os efeitos da Globalização, da ultra-periferia, da deslocalização dos centros económicos para outras paragens.
Penso que os novos tempos e a nova economia, embora mais volátil e traiçoeira, correm a favor de regiões que têm de encontrar nos serviços, nas indústrias do lazer, da saúde e na incorporação de conhecimento na produção a razão do seu sucesso.
Um jovem açoriano ou madeirense tem de ser preparado para vencer na sua terra ou em qualquer parte do mundo, num esforço que trará sempre retorno para a sua região de origem.

sexta-feira, janeiro 06, 2006

Porque falharam os partidos regionais?





Já passou o tempo suficiente para podermos reflectir sobre o fracasso, em termos de mobilização e adesão popular, dos partidos políticos regionais**. Penso que tinham tudo para vencer, mas falharam.

A UDA/PDA, agora PDA - Partido Democrático do Atlântico, defendia um projecto de autonomia para os arquipélagos da Madeira e dos Açores, legítimo, ousado e avançado. Os seus dirigentes enquadraram-se no quadro legal democrático, com dificuldade é certo, porque queriam ir mais além nas suas aspirações insulares e autonomistas. Bem pensado.
Pediam, perante a discriminação política e económica das suas regiões, que o novo regime democrático concedesse mais poderes aos ilhéus e às suas instituições. Reclamavam a criação e transferência de competências próprias para as respectivas regiões nos planos legislativo, económico, financeiro e político. Ao nível simbólico, também exigiram o reconhecimento da bandeira e do hino de cada uma das regiões.
Então porque é que os partidos regionais não singraram e continuam remetidos a uma posição política residual, numa situação de quase inexistência prática?
Numa primeira reflexão, acho que tiveram problemas de liderança, de plataforma política, de inserção correcta na sociedade insular e de concorrência inteligente e pragmática.
As lideranças desses partidos, nos Açores e na Madeira, talvez as possíveis, não acompanharam a modernidade e a vanguarda das suas ideias políticas mais nobres: a autonomia. Não surgiu um único líder que aliasse a teoria à capacidade de inserção e mobilização inter-classista. Os líderes madeirense e açoriano do PDA afunilaram o futuro do PDA, não conseguindo falar para o todo. A plataforma política, embora avançada e ousada para a época, não foi transportada de forma adequada pela liderança possível, nem fez uma parte significativa das populações insulares reverem-se na dualidade necessária, programa-liderança. Falhou a estratégia de inserção social profunda, a rede política e de solidariedades que poderiam servir de base à implantação geográfica, consistente e consequente. Falhou a trilogia liderança-programa-rede social, condição necessária de apoio e crescimento popular. Por fim, o factor concorrência dos partidos nacionais, nomeadamente e essencialmente do PPD, foi determinante na contenção dos partidos regionais. Aqueles escolheram rapidamente lideranças regionais fortes e carismáticas, aderiram aos valores fundamentais da democracia e em simultâneo agarraram o capital de reivindicação e de queixa das populações insulares. Em certos casos permitiram, por algum tempo, a confusão de áreas, a militância simultânea, o que iludiu os líderes regionais, mas permitiu ao PPD reforçar a liderança, o programa político regional e garantir a rede necessária à sua implantação. No momento certo foi só levantar o pé do tabuleiro mais instável e inseguro e engrossar as fileiras do PPD e do CDS. Perante o poder concreto, a garantia de projectos de vida e os benefícios do poder mais efectivos, como é bom de ver, a escolha foi fácil. Um caminho sem retorno e fatal para o PDA.
O PS das ilhas, em especial o Partido Socialista dos Açores, partido inicialmente rejeitado pelos regionalistas, foi também incorporando e defendendo os valores da autonómicos, capitalizando no centro-esquerda e esquerda, e secando os terrenos possíveis de progressão teórica. Hoje - o PS/Açores e o seu presidente - é um grande partido da autonomia, onde muitos regionalistas de então votam sem problemas.
A questão que se coloca, e que só os próprios saberão responder, é a de saber se o PDA ainda faz sentido? Se sim, como pensam torná-lo num partido com peso regional? Como vão resolver a questão da liderança, da actualização do programa político e da rede social de inserção? Por fim, será isso possível? Há espaço político? Aqui entra a vontade e determinação dos políticos e a ciência política.
Nota final: Estava eu no Funchal, estudante de Liceu, quando o dr. Aragão de Freitas me pediu que o ajudasse a fazer o símbolo para o novo partido UDA/PDA. Assim, pedi a um amigo, com jeito para essas artes, o Berto (oriundo de uma família regionalista simultaneamente militante no PPD), e ele lá fez uns rabiscos, com o sol e o mar… Entregue o símbolo, passados alguns dias fui informado de que tinha sido o escolhido para símbolo do PDA. O autor, Norberto Melim, é hoje um ilustre arquitecto e bem sucedido promotor imobiliário madeirense.
** Partidos políticos “regionais” - legalmente tiveram de ser partidos nacionais, mas a sua génese e direcção foi regional, insular e teve origem em movimentos autonómicos e junto de círculos pró-independência, dos Açores e da Madeira..